O Brasil mostrou diante do mundo
inteiro o relacionamento doentio que existe entre governos, construtoras,
bancos estatais e políticos na hora de construir qualquer obra pública
Por Augusto
Nunes, 13/08/2016,
www.veja.com.br
Texto de J.R. Guzzo
Está garantido que vai errar, sempre, quem disser
que “o grande problema do Brasil” é este ou aquele, por mais tenebroso que
seja. O Brasil, sendo o Brasil, não trabalha com essa mercadoria – “o grande
problema”. Não há por aqui a possibilidade prática de separar uma calamidade
bem definida ou mesmo duas, três ou meia dúzia que consigam ficar claramente
acima de todas as demais em matéria de perversidade em estado puro. São tantas,
e de índole tão ruim, que nossos melhores esforços para escolher uma prioridade
capaz de inserir o Brasil no mundo desenvolvido, caso existissem, dariam bem
pouco resultado no mundo das coisas reais. Bons tempos os da saúva, por
exemplo, que nos fazia a gentileza de oferecer a qualquer momento a explicação
comprovada para tudo o que dava errado neste país. Na verdade, era tão simples
eleger na época “o grande problema” nacional que praticamente ninguém tinha
dúvida: ou o Brasil acabava com a saúva, ou a saúva acabava com o Brasil. Vá
tentar alguém, hoje em dia, dizer alguma coisa parecida. Só conseguirá produzir
ruído de motor que não pega – e deixar todo mundo com a certeza de que falou
bobagem. Melhor ficar quieto, e dar a impressão de que você não tem preparo
para falar de assuntos sérios, do que abrir a boca e eliminar as dúvidas a
respeito, como nos aconselhava Mark Twain.
Em certos momentos, porém, um desses “grandes
problemas” que impedem o Brasil de ir adiante como deveria é exposto de maneira
realmente espetacular, em plena luz do meio-dia – e em tais momentos é apenas
lógico, além de humano, que a calamidade exibida na frente de todos chame mais
atenção que quaisquer outras. É o caso, justo agora, da Olimpíada do Rio de
Janeiro, que joga para o primeiro plano o problema fatal que o Brasil tem com as
suas obras públicas. É de fato um fenômeno: fora as aberrações que acontecem
nos países mais desgraçados do mundo, não há nada parecido com as misérias das
obras públicas brasileiras. Quase nunca ficam prontas no prazo, com a qualidade
e no preço que foram escritos no contrato – ou, pior ainda, como ocorre com
alta freqüência, não ficam prontas nunca. Há as que não podem ser usadas depois
de entregues. Há as que simplesmente desabam; o Brasil deve ser um dos campeões
mundiais em matéria de viadutos, pontes ou ciclovias elevadas que vêm abaixo de
uma hora para outra. Há as que não servem para nada, como hospitais sem
equipamento, açudes sem água ou museus para a recepção de extraterrestres.
Todas produzem rigorosas investigações que não impedem que tudo continue igual
na obra seguinte. São nossas obras. São obras nossas.
A Olimpíada do Rio, naturalmente, é uma celebração.
Uma vez em andamento, o foco se concentra na magia do esporte – o público está
mais interessado em Usain Bolt do que no prefeito Eduardo Paes, quer ver
medalhas de ouro para os atletas brasileiros em vez de discutir os encanamentos
da Vila Olímpica. Além disso, a cidade ganhou com os Jogos, de forma
indiscutível, melhorias que enriquecem os seus extraordinários encantos, desde
que não sejam abandonadas logo após o fim dos Jogos. Mas o fato é que o Brasil
mostrou mais uma vez, diante do mundo inteiro, o relacionamento doentio que
existe entre governos, construtoras de obras, bancos estatais, políticos,
partidos e mais um monte de gente com carteirinha de autoridade na hora de
construir qualquer obra pública – nada, simplesmente nada, é normal quando eles
se juntam. É como se todos trocassem de personalidade. Quando uma empresa
privada contrata uma empreiteira para a construção de um galpão com tantos
metros quadrados de área e com tais ou quais itens de acabamento, vai receber
exatamente o que contratou, não vai ter de pagar mais do que o combinado e
receberá a obra pronta no dia previsto. Quando a mesma empreiteira faz uma obra
para o poder público, tudo fica diferente – o poder público aceita qualquer
absurdo em matéria de atraso, estouro no orçamento, qualidade da construção e
por aí vai. É claro: o governo não paga nada, nunca, porque nada produz. Quem
paga é o contribuinte de impostos, a quem não se permite um minuto de atraso na
hora de pagar, e quem paga mais são justamente aqueles a quem o dinheiro faz
mais falta.
A Olimpíada chegou no exato momento em que os
processos de Curitiba expõem a corrupção e a inépcia sem freio que marcaram nos
últimos treze anos de governo a contratação de obras e a compra de equipamentos
públicos no Brasil. Ninguém, pelo jeito, aprendeu nada.
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