Por Augusto Nunes, 22/07/2015,
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Valentina de Botas
Foi num modelo da marca que John tombou no colo de
Jacqueline enquanto o sangue dele devolvia o vermelho aos RR entrelaçados na
exclusiva grade do radiador que passaram a ser gravados em preto desde 1913,
quando Frederic Henry Royce assim o decidira para permanente homenagem a
Charles Rolls, o sócio morto naquele ano. Saindo do transe, os Estados Unidos
se refizeram como depois da guerra civil cem anos antes ou da terrível
depressão dos anos 30. Desconhecemos dramas agudos assim: nossas tragédias,
mesmo profundas, são crônicas, cotidianas, cristalizadas. Fernando Collor, cujo
Rolls-Royce escapou da apreensão porque reluzia em São Paulo à sombra de uma
dívida de IPVA, só preside a comissão de infraestrutura do Senado porque este é
brasileiro e conduzido por Renan Calheiros que renunciou para não ser cassado.
Ou alguém consegue situar tais aberrações no U.S.
Congress, no Bundestag ou na House of Commons? Essas cracas imorais do poder se
revigoraram no gangsterismo de Estado lulopetista que aperfeiçoou todos os nossos
defeitos, parindo um novo: a metafísica cretina que faz do país decente refém
da virtude de ser decente. E é assim que soou o alerta de que o impeachment de
Dilma favoreceria a presidente e o PT. Então, o país que pagará por décadas os
custos desse espírito miserável deve repensar o 16 de agosto e, digerindo a
indignação lacerante em resignação cívica, em vez de pedir a remoção da súcia,
implore que ela continue onde está, engendrando sei lá quantos novos esbulhos.
No Brasil sem governo e sem oposição, a verdadeira
crise é do sentido das coisas que se colapsa no espírito do êxtase de uma corja
que ganha quando triunfa e, quando perde, quer triunfar. Comprovam isso os
alertas de fumaça no Brasil todo quando o único foco de incêndio é a delinqüência
do governo a ser preservado para não ser favorecido. O colapso da pertinência
das coisas aparece também no êxtase da súcia pelo enfraquecimento de Eduardo
Cunha cuja culpa, antes de comprovada, transmuda-se em inocência de Dilma como
se ela não soubesse do petrolão. Sempre soube, afirmam as delações premiadas e
os fatos que desafiam os fundamentalistas institucionais.
Quando JD foi cassado, Arthur Virgílio afirmou que
era a “cassação moral do governo Lula”. O ensejo legal para o impeachment foi
desprezado pela oposição assustada que considerou que a popularidade do jeca o
blindava e que a iniciativa convulsionaria o país. A lei não foi cumprida e o
mensalão deu em petrolão. Agora, a permanência no poder da presidente isenta de
condições morais e políticas de governar é o que pode levar o país exaurido à
convulsão. E as provas?
Ora, o mesmo Collor inocentado no Supremo por falta
de provas caíra por falta de sustentação. Não havia essa sabotagem do sentido
das coisas sustentando que o cumprimento da lei favorecerá o bandido. A
extravagância da tese nos faz reféns em um cativeiro imaginário que prolonga a
agonia real do país exaurido. Grata pelo alerta, mas crise por crise, prefiro
aquela em que o Brasil decente tem a chance de se refazer: sem a súcia no
poder.
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