Petistas vislumbram em projeto de
documentário a oportunidade de registrar para a posteridade sua versão do
processo contra Dilma
Por Thiago Bronzatto, 12/08/2016,
www.veja.com.br
Pouco antes da meia-noite da terça-feira 9, o
ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo subiu à tribuna do plenário do
Senado. Como das vezes anteriores, defendeu a volta da presidente afastada
Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto. Falando num tom acima do habitual,
rebateu as acusações contra a sua cliente e criticou a celeridade do processo
de impeachment, classificado como um “golpe” contra a democracia. A tese foi
repetida por senadores da tropa de choque do PT, um após o outro, ao longo das
quase dezessete horas da sessão que transformou a presidente em ré por 59 votos
contra 21, num resultado previsível. A veemência dos discursos, além de
defender o mandato de Dilma, atendia a outro propósito: a construção de uma
narrativa.
Se nada mudar até o próximo dia 25, data marcada
para o início do julgamento, a cassação de Dilma deve ser confirmada por ampla
maioria dos senadores. O PT reconhece que não há muito que fazer. A presidente
afastada, que aguarda o desfecho do processo praticamente reclusa no Palácio da
Alvorada, também tem clareza de que seu destino está traçado. Até o ex-presidente
Lula, mentor, criador e oficialmente o maior defensor de Dilma, já jogou a
toalha faz tempo.
Mas a história, do ponto de vista do PT, não deve
terminar com um tom melancólico e derrotista. Como ocorre desde a votação do
impeachment na Câmara, na sessão da semana passada os passos de cada petista no
Congresso foram acompanhados de perto por uma equipe de filmagem que se dedica
a produzir um documentário sobre os bastidores do processo. Cientes de que eram
os personagens principais do dia, os parlamentares contrários à cassação se
esmeraram nos microfones e nas performances. Eles estavam sob as lentes de um
projeto intitulado “Impeachment”, conduzido pela cineasta Petra Costa, da
produtora Busca Vida Filmes e diretora do premiado documentário Elena,
em que retrata a morte precoce de sua irmã.
Desde 13 de março, quando ocorreu a maior
manifestação política da história do Brasil, Petra contabiliza cerca de 500
horas de gravação com mais de cinqüenta parlamentares, de diferentes partidos,
além de manifestantes e líderes de movimentos contra e a favor do impeachment.
“A ideia é que o filme mostre as diversas etapas dessa crise, seus aspectos
shakespearianos, maquiavélicos e épicos”, diz a cineasta. Entre os principais
entrevistados está à presidente afastada, que relata em sua perspectiva, o
drama de quem foi apeado do poder. “Gostaríamos também de filmar Temer. Já
entramos em contato com a assessoria algumas vezes, mas não obtivemos
resposta”, afirma Petra, que ganhou apoio financeiro do Festival de Veneza.
Os petistas vislumbraram na produção a oportunidade
de registrar para a posteridade o resultado de uma conspiração, de um golpe.
Nesse contexto, Lula emerge como um dos principais personagens da história, que
deverá ser exibida no Brasil e no exterior em 2017. Nos últimos meses, o
ex-presidente tem montado uma agenda pensada com o objetivo de produzir
imagens que se encaixam no enredo. VEJA acompanhou os bastidores das gravações realizadas
em julho no Recife e no interior de Pernambuco. Ali, tudo parecia uma
encenação. Enquanto criticava o presidente interino Michel Temer e o juiz
Sergio Moro, Lula olhava para as câmeras, gesticulava, abraçava crianças,
acariciava trabalhadores. Durante uma visita a um assentamento do Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), um drone filmava o ex-presidente
caminhando no meio de uma plantação. Num dado momento em que o aparelho se
aproxima, ele ergue para o céu um punhado de mandiocas que haviam sido colhidas
e faz uma breve saudação, sorrindo para a câmera.
Na tentativa de criarem sua versão da história,
naturalmente suavizando os próprios pecados, deputados do partido também
recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à
Organização dos Estados Americanos (OEA), contra o processo de impeachment de
Dilma. Antes disso, o próprio Lula havia protocolado uma representação na
Organização das Nações Unidas (ONU) contra o juiz Sergio Moro, apresentando-se
como vítima de perseguição da Justiça. As chances de que tais iniciativas
tenham sucesso jurídico são praticamente nulas, mas o movimento saiu nos
jornais e sites de mais de oitenta países, o que ajuda na construção da
narrativa petista.
Longe das câmeras, o ex-presidente se reuniu em
Brasília com líderes do partido horas depois da votação no Senado. No encontro,
Lula disse que o “impeachment é jogo jogado” — ou seja, será aprovado com
folga. Ele cobrou dos oito senadores e 36 deputados presentes maior engajamento
nas lutas que serão travadas a partir de agora, quando o PT voltará a ser
oposição, e destacou que só isso garantirá uma volta por cima em 2018. O
ex-presidente tem dito que será candidato na próxima corrida presidencial. O
tablado eleitoral há tempos deixou de ser a prioridade de Lula, acossado pela
Operação Lava-Jato e pelo risco de ser preso por corrupção. O resto, na
verdade, está mais para jogo de cena - literalmente.
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