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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Os conquistadores de medalhas aqui nascidos merecem o aplauso unânime e a perpétua gratidão do Brasil



O país que sempre enxergou no segundo colocado o primeiro dos últimos finalmente começa a aprender que quem sobe ao pódio está entre os três melhores do mundo

Por Augusto Nunes, 17/08/2016,
www.veja.com.br


As ovações endereçadas aos atletas que conquistaram medalhas de prata ou de bronze informam que está em curso uma das mais fascinantes mudanças para melhor na alma nacional. O brasileiro, na frase perfeita de Nelson Piquet, sempre enxergou no segundo colocado o primeiro dos últimos. Nos Jogos Olímpicos do Rio, o país que nunca teve sequer um arremedo de política esportiva começou a aprender que os que sobem ao pódio, em companhia do ganhador da medalha de ouro, são nada menos que o segundo e o terceiro melhores do mundo na modalidade que praticam.

Todos os medalhistas nativos merecem mais que manifestações de carinho e admiração. Merecem também a perpétua gratidão do Brasil. Eles nada devem à mãe jamais gentil. Ela é que deve ao menos um pedido de desculpas aos bravos filhos que maltratou. A justa explosão de júbilo provocada pela medalha de prata do ginasta Diego Hypólito, por exemplo, nunca pôde ser saboreada por dezenas de protagonistas da mesma proeza. Um deles foi Ricardo Prado, o astro da natação que conheci em Los Angeles há 32 anos.

Eu trabalhava na redação de VEJA e estava lá para cobrir, ao lado do fotógrafo Orlando Brito e da jornalista Dorrit Harazim, a Olimpíada de 1984. Na véspera da final dos 400 metros nado medley, sua especialidade, Ricardo Prado topou o convite de Dorrit para acompanhá-la numa caminhada noturna pelos arredores da Vila Olímpica. Como precisava dormir cedo, não podia ficar mais de duas horas longe do alojamento dos atletas. Tão brilhante quanto generosa, minha amiga Dorrit me ofereceu carona no passeio e na conversa.

Ao vê-lo na entrada da Vila, entendi por que chamavam de Pradinho o campeão que perdia feio em estatura e envergadura para seus principais adversários no mundo das piscinas. Tinha 19 anos, e começara a colecionar façanhas aos 15, quando participou da Olimpíada de 1980 em Moscou. Aos 17, tornou-se recordista mundial nos 400 medley em Guaiaquil. A marca fora superada em 1983 por um alemão oriental que o boicote decretado por países comunistas afastara dos Jogos de Los Angeles. Também por isso, Ricardo Prado sabia que qualquer coisa menos que a vitória seria o mesmo que nada.

A escassez de sorrisos, a expressão crispada e as respostas monossilábicas informaram que, naquela noite, o campeão extraordinariamente precoce era apenas um menino no limite da tensão. Falou pouco, mas duas frases ditas em voz baixa valeram mais que dois dias de entrevista: “O Brasil só dá importância a medalhas de ouro. Quando uma prova começa, sinto nas costas o peso de um país”. 

No dia seguinte, com uma performance admirável, ele só foi superado pelo canadense Alex Baumann, que estabeleceu um novo recorde mundial. Os aplausos preguiçosos dos brasileiros presentes ao local da prova avisaram que, aos olhos da nação decepcionada, Ricardo Prado não ganhara a medalha de prata. Ele perdera a medalha de ouro.

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