A lei traz mesmo absurdos, que
precisam ser corrigidos. Quanto a Barroso, recomendo que seja menos ambíguo e
menos anfíbio
Por Reinaldo
Azevedo, 18/08/2016,
www.veja.com.br
O ministro Roberto Barroso tem um
estilo do qual definitivamente não gosto. Considero suas falas ambíguas, seu
raciocínio oblíquo, suas considerações cheias de vieses subterrâneos.
Está em pauta um debate sobre a chamada
Lei da Ficha Limpa. Vamos lá. Trata-se, e basta pesquisar em arquivo o que
escrevi a respeito, como disse o ministro Gilmar Mendes, de uma das peças
jurídicas mais malfeitas de que se tem notícia. Na fala de Mendes, ela parece
ter sido feita por bêbados.
O presidente da OAB, por exemplo,
Claudio Lamachia, não gostou da consideração. Entendo. A Ordem foi defensora do
texto como está. Não custa lembrar que o petrolão comeu solto com Ficha Limpa e
tudo. Onde estão os buracos? Nas condições que tornam inelegível um candidato.
Há a regra básica, até fácil de
entender: condenada em segunda instância, a pessoa está proibida de concorrer a
um cargo eletivo. Ocorre que a coisa não para por aí. Se alguém sofrer um
processo numa associação de classe e acabar sendo expulsa dela, ainda que não
seja pela via judicial, também está proibida de se candidatar. Misturam-se
alhos com bugalhos.
Mais: não se procurou harmonizar o
texto com outros diplomas legais. Querem ver? O STF decidiu que cabe às casas
legislativas dar a palavra final sobre as contas de candidatos. Assim,
políticos que tiveram suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas local
poderão concorrer nas próximas eleições caso elas não tenham sido rejeitadas
pelas câmaras municipais.
Isso não está devidamente clarificado
na lei, constantemente submetida a interpretações. Virou uma espécie de obra
aberta. Por quê? Porque está malfeita.
Barroso resolveu, nesta quinta,
responder a Mendes, fazendo de conta que não. Disse:
“Eu nem comento nem critico opiniões de
colegas, embora eu tenha a minha. Numa democracia, é legítimo que haja opiniões
diferentes. Eu, diversamente, acho que a lei é boa, acho que a lei é importante
e acho que a lei é sóbria. Acho que é uma lei que atende a algumas demandas
importantes da sociedade brasileira por valores como decência política e moralidade
administrativa”.
O ministro faz crer, com sua fala
ambígua e anfíbia, que os que criticam os furos da lei são contra a decência
política e a moralidade administrativa.
Uma ova, né, doutor
Barroso?
O que Mendes está criticando é o
improviso legal. Aliás, nessa matéria, Barroso é doutor. Ele foi o principal
patrocinador, junto à OAB do doutor Lamachia, da proibição da doação de
empresas privadas a campanhas eleitorais. A tese votada no Supremo, na verdade,
é do ministro, quando, no passado, foi chamado a elaborar um parecer para a
OAB. Ela foi vivificada na forma de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Por motivos óbvios, Barroso deveria ter se abstido de votar. Não só votou como
virou propagandista da tese. Ah, sim: o grande propagandista da proibição era o
PT, esse antro da moralidade nacional!
Resultado: essas eleições têm tudo para
entrar para a história como o pleito do caixa dois. Mais: há sinais evidentes
de que o crime organizado resolveu se aproximar de candidatos a prefeitos e vereadores
Brasil afora porque, afinal, dispõe daquilo que lhes faz falta em campanha:
dinheiro vivo.
Criticar os defeitos de uma lei, votada
às pressas e de maneira impensada, não é sinônimo de criticar suas eventuais
qualidades. A luta por decência e moralidade não dispensa o método nem a devida
higidez legal e constitucional.
E uma recomendação à OAB: em vez de
bater boca com Mendes na defesa de uma lei torta, sugiro que seja a OAB, e não
o ministro (já que não é seu papel), a apresentar sugestões para corrigir seus
defeitos.
De quebra, a Ordem podia também fazer
uma mea-culpa e retirar seu apoio esdrúxulo à proibição do financiamento de
campanhas eleitorais por empresas. A Ordem precisa ajudar a afastar os bandidos
das disputas políticas. Ou não é por isso que passou a ser propagandista da Lei
da Ficha Limpa?
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