Por Augusto Nunes, 22/11/2015,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão:
Luiz Inácio Lula da Silva é realmente um prodígio na nem sempre delicada
arte de sofismar, que os dicionários definem como o exercício de “raciocínio
vicioso, aparentemente correto e concebido com a intenção de induzir em erro”.
Haverá quem prefira substituir o verbo sofismar por outro mais contundente: mentir.
Qualquer dos verbos cai como uma luva para definir o desempenho de Lula em
entrevista televisiva de 40 minutos concedida ao jornalista Roberto D’Ávila, na
qual se definiu como “o mais republicano dos presidentes que este país já teve”
e negou categoricamente que esteja tentando de algum modo interferir no governo
Dilma, nem mesmo no que diz respeito ao ministro Joaquim Levy, ao ajuste fiscal
e à política econômica, porque “um ex-presidente tem que ter muito cuidado para
não dar palpite”.
Lula serviu-se de um rombudo argumento para dar um puxão de orelha nas
centenas de milhares de brasileiros que votaram em Dilma e hoje se voltam
contra ela. É como se fosse o caso de “um pai cujo filho está doente, com
febre, mas em vez de cuidar dele prefere jogá-lo fora”. Quer dizer: Dilma está
“doente, com febre”, mas ninguém se dispõe a ajudá-la. Nem ele próprio, que
garantiu mais de uma vez: “Não dou palpite no governo”. Não corou um minuto.
Não empalideceu jamais.
O ex-presidente não perdeu nenhuma oportunidade para discorrer sobre as
“extraordinárias conquistas” dos governos petistas, durante os quais “o
trabalhador, a classe média, os empresários, os banqueiros, todos ganharam”.
Pressionado pelo entrevistador, admitiu, apenas implicitamente, que hoje o país
enfrenta uma crise econômica que ameaça comprometer as conquistas sociais. Mas
explicou que essa crise é devida a dois fatores sobre os quais o governo
petista não tem responsabilidade. O primeiro é a crise financeira internacional
provocada por capitalistas “irresponsáveis”.
O segundo responsável pela atual crise econômica, segundo Lula, é a
“grave crise política”. Mergulhado nessa crise, o Congresso Nacional, “com
total apoio da Imprensa”, se tem recusado a aprovar as medidas propostas pelo
governo para botar suas contas em ordem. Essa esfarrapadíssima desculpa omite o
fato de que, após eficiente toma lá dá cá – única providência que a elite
palaciana consegue concluir com sucesso –, os parlamentares acabaram aprovando
praticamente todo o pacote de medidas de interesse do Planalto. Mais grave, no
entanto, é Lula fingir que a “grave crise política” não foi criada pelo próprio
governo petista, a começar pela desastrada tentativa de impedir a eleição de
Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. Pois foi exatamente para tentar
corrigir grosseiros erros políticos praticados por Dilma que Lula, que jura que
não dá palpites, a convenceu a trocar os coordenadores políticos do governo,
tirando da Casa Civil e das Relações Institucionais dois ministros nos quais
ela confiava e os substituindo por outros que a ele são fiéis.
Mas foi no capítulo da corrupção que Lula se mostrou um verdadeiro
artista. Começou, em tom dramático, definindo-se como um político de formação
moral rígida e reputação absolutamente ilibada: “Só tenho um valor na minha
vida, não são dois, apenas um: vergonha na cara, o que aprendi com uma mãe
analfabeta”. Em relação ao escândalo da Petrobras – que lhe causou “um susto”
–, saiu-se pela tangente afirmando que sempre foi favorável à investigação,
repudiando apenas o “vazamento seletivo” de delações premiadas, e lançando a
responsabilidade da esbórnia sobre “antigos funcionários” da estatal, que
estavam lá “há muito tempo”. Tentando afastar qualquer suspeita sobre eventual
envolvimento seu na devastação da empresa, garantiu, em seu melhor estilo
palanqueiro: “Duvido, duvido muito, que algum empresário possa afirmar ter
conversado comigo qualquer coisa que não fosse possível de ser concretizada em
qualquer lugar do mundo”.
Trata-se de
argumento que funciona para quem tem fé inabalável na retidão moral de quem o
enuncia. Mais ou menos como a garantia que deu em 2005, de que não sabia da
existência do mensalão: “Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis, das
quais nunca tive conhecimento”. Depois de ter sido reeleito no ano seguinte,
mudou o discurso partindo, como de hábito, do princípio de que o brasileiro é
idiota: “O processo do mensalão é uma farsa”. Certamente, um dia dirá o mesmo
sobre o petrolão.
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