Por Augusto Nunes, 20/12/2015,
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A maioria do Supremo Tribunal Federal aproveitou a sessão convocada para
deliberar sobre o processo de impeachment para revogar o equilíbrio entre os
Poderes. Na cabeça de oito dos 11 bacharéis em Direito indicados pela Presidência
da República e aprovados pelo Senado depois de uma sabatina com cara de chá de
senhoras, os três Poderes são independentes, mas só o Judiciário não é
dependente de outro. Já o Executivo e o Legislativo dependem do que dá na telha
do Poder que manda nos dois e não obedece a nenhum.
Declamando criativas interpretações de normas constitucionais, verbetes
de dicionário e citações em Latim, o bloco majoritário fez o diabo. Prorrogou
por tempo indeterminado a sobrevida da presidente agonizante, redesenhou o
Congresso para subordinar a Câmara do renegado Eduardo Cunha ao Senado do
patriota Renan Calheiros, rebaixou 513 representantes do povo a capinhas de 81
representantes das 27 unidades federativas e avisou que, sem o endosso dos
senadores, decisões dos deputados valem tanto quanto palpites da mulher do
cafezinho. Fora o resto.
Não faz tanto tempo assim que os ministros, escolhidos entre os melhores
e mais brilhantes, efetivamente compunham o corpo de elite do universo jurídico
brasileiro. Também assolado pela Era da Mediocridade, o STF foi ficando
parecido com os vizinhos de praça. Com o advento da Era da Canalhice, o
critério adotado pela seita lulopetista para preencher vagas no STF completou o
estrago. A escolha deve atender aos interesses do Planalto. Ponto.
Só podia dar no que deu. Mesmo disfarçados de turista em dia de
visitação pública, certos juízes seriam barrados na portaria da Corte Suprema
americana. Lá o esquema de segurança é severo com figuras esquisitas. Os
togados falam muito, e falam coisas estranhas. Escrevem demais. E escrevem coisas tão difíceis que nem sobra
tempo para pensar, conversar com gente normal, saber o que vai pelo Brasil
real, em tudo diferente da Pasárgada onde moram e decidem o que pode e o que
não pode, o que é certo e o que é errado.
Um ministro do STF não se aflige com o desemprego em expansão nem com a
inflação descontrolada, não sucumbe a surtos de indignação quando confrontado
com as cifras da roubalheira e os devastadores efeitos da incompetência. Não
chega a perder o sono com a desfaçatez da seita que pariu a maior crise da
história republicana. Tudo somado, os superdoutores não sabem que a paciência
da platéia acabou.
“Japona não é toga”, lembrou em outubro de 1964 o então presidente do
Senado, Auro Moura Andrade, para barrar a investida autoritária de chefes
militares dispostos a violentar a Constituição. Com quatro palavras, Auro
ensinou que cabia ao Supremo Tribunal Federal, não às Forças Armadas, lidar com
questões constitucionais — pela simples e boa razão de que general não é juiz.
É hora de adaptar a
frase aos tempos modernos, invertendo a ordem dos substantivos para
transformá-la em advertência aos oniscientes de araque. Antes que tentem
proclamar a Ditadura do Latinório, eles precisam saber que toga não é japona. A
lição será assimilada em poucos segundos se for ministrada pela voz das ruas.
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