Uma a uma, as explicações do
ex-presidente sobre sua relação com empreiteiras do petrolão vão ruindo
Por Robson Bonin e Pieter Zalis, 29/12/2015,
www.veja.com.br
A promotoria investiga a ajuda da OAS a Lula ao
reformar apartamento no Guarujá
O ex-presidente
Lula é conhecido pela capacidade retórica de vergar a realidade ao sabor de
seus interesses. Quando ainda estava no Planalto, essa habilidade fez dele um
líder popular. Hoje, a capacidade do petista de retorcer os fatos parece cada
vez mais reduzida. Com freqüência, Lula tem sido cabalmente desmentido por
eles. Recentemente, para ficar em um exemplo, o ex-presidente ensaiou dizer que
não era tão amigo assim do pecuarista José Carlos Bumlai, preso na Operação
Lava-Jato por intermediar tenebrosas transações com personagens do petrolão em
nome do próprio Lula e do PT. Bastaram algumas fotos encontradas entre os
arquivos apreendidos com Bumlai para que a tentativa do petista de se descolar
do amigo ruísse: as imagens mostravam que o pecuarista, homem de livre acesso
ao gabinete mais importante da República durante o governo Lula, desfrutava a
intimidade da família do ex-presidente. Esse modo de dar de ombros a cada nova
revelação desabonadora ligando Lula ao maior escândalo da história do país
virou hábito. Na semana passada, houve um novíssimo desmentido, também embalado
por evidências incontornáveis.
Lula passou o ano
de 2015 negando ser o dono de um apartamento tríplex de 297 metros quadrados em
um prédio de frente para o mar do Guarujá, em São Paulo, construído e reformado
sob medida pela OAS, uma das principais empreiteiras do petrolão. Atraído pelo
preço convidativo, o ex-presidente decidiu investir no imóvel logo depois de seu
lançamento, há pouco mais de dez anos. O edifício, àquela altura, era uma obra
da Bancoop, a cooperativa ligada ao PT que, sob o comando do notório João
Vaccari Neto, tesoureiro do partido, foi à bancarrota depois de se transformar
em uma sucursal dos malfeitos petistas. Com a falência da Bancoop, mais de
3 000 famílias ficaram sem receber os imóveis negociados com a cooperativa. O
mais ilustre dos petistas, porém, não ficaria no prejuízo. Como VEJA revelou em
abril, após um pedido feito pelo próprio Lula a Léo Pinheiro, seu amigo e o
principal executivo da OAS, a empreiteira não apenas assumiu a construção do
prédio como ofereceu uma atenção especial, repleta de mimos, à unidade
reservada para o ex-presidente.
O agrado da
empreiteira a Lula custou caro. A OAS gastou 700 000 reais para deixar o
apartamento ao gosto da família do ex. O tríplex, avaliado em 2,5 milhões de
reais, passou por uma repaginação completa: o piso foi trocado, os acabamentos
de gesso foram refeitos, a cozinha foi equipada com móveis de primeira linha e
um elevador foi instalado para interligar os três andares. A reforma foi
acompanhada de perto pela família do ex-presidente - a ex-primeira-dama Marisa
Letícia, o próprio Lula e Fábio Luís, o Lulinha, primogênito do casal,
visitaram o local durante as obras. Estava tudo caminhando para que o
apartamento dos Lula da Silva na praia fosse finalmente inaugurado pela
família. Até que veio a Lava-Jato e, com ela, a descoberta do privilégio
bancado pela OAS. Lula, como era de esperar, correu para tentar se descolar do
imóvel. Logo passou a negar que fosse o proprietário. Alegou que a família
tinha apenas a opção de compra de um apartamento - uma esperteza óbvia, já que
o tríplex está registrado em nome da OAS.
Como versões
mal-ajambradas e tentativas de manipulação da realidade têm perna curta, a
negativa de Lula não demorou para ruir. Uma investigação do Ministério Público
de São Paulo colheu depoimentos de diferentes testemunhas que atestam que o
apartamento do edifício Solaris foi, sim, construído e reformado pela OAS para
a família do ex-presidente. Mais do que isso, os promotores, os mesmos que já
investigavam os desvios milionários na Bancoop, agora apuram se a empreiteira
do petrolão usou apartamentos no prédio do Guarujá para lavar dinheiro e
beneficiar indevidamente figurões como Lula. Os depoimentos colhidos pela
promotoria e revelados na semana passada pelo jornal Folha de S.Pauloconfirmam
o que VEJA publicou em outubro e trazem detalhes de como a reforma no
apartamento de Lula estava envolta em uma aura de segredo para que ninguém
suspeitasse de nada. Um engenheiro que trabalhava para a OAS quando a obra foi
executada contou que Lula fez uma "vistoria-padrão" no apartamento.
Ele disse que apenas abriu a porta do tríplex para que o ex-presidente entrasse
- lá dentro, Lula foi acompanhado pelo coordenador de engenharia da
empreiteira. O dono da empresa especializada em reformas contratada pela OAS
para remodelar o apartamento disse que estava na obra quando foi surpreendido
pela chegada da ex-primeira-dama Marisa Letícia e de mais três homens - entre
eles Lulinha e ninguém menos que o então presidente da OAS, Léo Pinheiro, o
amigo de Lula que mais tarde viria a ser preso pela Lava-Jato. O zelador do
prédio contou aos promotores que Lula e Marisa estiveram no imóvel pelo menos
duas vezes e que, para a chegada dos visitantes ilustres, a OAS ordenou que o
prédio passasse por uma limpeza e fosse decorado com "arranjos
florais". O zelador disse ainda que, durante uma das visitas, seguranças
de Lula travaram o elevador enquanto o petista estava no imóvel, o que fez com
que moradores de outros apartamentos se queixassem.
A promotoria deve
concluir em breve o inquérito e tende a ajuizar um processo contra os
envolvidos no caso. Ao mesmo tempo que agradava Lula, a OAS multiplicava o
saldo devedor de outros mutuários da Bancoop que haviam adquirido apartamentos.
Do empresário Walter Didário, por exemplo, a empreiteira cobrou 600 000 reais
além do que ele já tinha pago. "Eu me sinto um completo idiota", diz
ele. A construção do edifício e a luxuosa reforma no tríplex não foram os
únicos favores prestados pela empreiteira a Lula. Como VEJA revelou, a OAS
bancou ainda a reforma do sítio que a família freqüenta em Atibaia (SP).
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