Ele pagará por seus crimes; e ela, pelos dela; cada um na sua. País
precisa de líder, não de uma vítima de sua própria concepção de mundo
Por Reinaldo Azevedo, 02/12/2015,
www.veja.com.br
A presidente Dilma
Rousseff fez um discurso há pouco sobre a decisão do presidente da Câmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que anunciou que vai acolher a denúncia que pode
resultar no seu impeachment. É evidente que, para não variar, Dilma cometeu um
erro — mais um. Além de faltar com a verdade de forma escandalosa. E,
convenham, há momentos em que só a verdade pega bem.
Dilma fez uma menção
à mudança da meta fiscal aprovada pelo Congresso e, em seguida, partiu pra cima
de Cunha. Mais atacou o outro do que tratou dos motivos que estão na raiz da
denúncia. E, nesse caso, não contou novidade nenhuma.
Mas comecemos pela
inverdade grotesca. Como todo mundo sabe, Cunha deixou claro que esperava
contar com os três votos do PT no Conselho de Ética, o que impediria de a
denúncia contra ele avançar.
O Planalto participou
da negociação para obter esses votos até a tarde desta quarta. Então, não é
verdade que esse é um governo que não aceitaria “barganha”. Jaques Wagner
tentou. Ricardo Berzoini tentou. Lula tentou. Mas o PT decidiu pagar pra ver.
Deputados da sigla e
Rui Falcão fizeram pressão para que os três petistas do conselho votassem
contra Cunha, posição que acabou prevalecendo. Assim, é claro que o partido
resolveu cuidar do seu interesse e mandou Dilma plantar batatas.
Agora vamos à fala da
governanta, que teve o propósito de se apresentar como vítima de Cunha. Com uma
sutileza que não pedia grandes vôos interpretativos, disse à mandatária que as
acusações contra ela são “improcedentes” e “inconsistentes”. E aí foi
desfilando tudo o que nunca fez, deixando claro que se referia, por contraste,
à biografia de Cunha.
Escreveu, como um
Machado de Assis menos oblíquo, o seu capítulo das negativas. Afirmou:
– “Não possuo
conta no exterior”;
– “Não escondi bens”;
– “Nunca coagi
ninguém”;
– “Nunca
questionaram a minha idoneidade”;
– “Jamais
aceitaria uma barganha”.
Qual é o problema?
Digamos que ela não tenha feito nada disso e que ele tenha feito tudo isso.
Ocorre que não são essas as acusações que pesam contra ela na denúncia que foi
aceita (íntegra aqui). Com efeito,
essas são as denúncias que pesam contra ele, pelas quais ele terá de responder
na Câmara e no Supremo.
O modo de Dilma
responder é estranho à lógica, além de inoportuno. No fim das contas, ela diz:
“Eu não sou acusada dos crimes de que o acusam”. De fato. Mas e daí?
Na denúncia contra
Dilma, há as pedaladas dadas — e já admitidas — em 2014, mas também as
praticadas em 2015. Não só isso.
A peça evidencia
ainda que ela editou uma série de decretos em 2014 e 2015, já neste mandato,
que resultaram na abertura de créditos suplementares sem autorização do
Congresso Nacional, crime devidamente tipificado nos itens 4 e 6 do Artigo 10
da Lei 1.079, a chamada Lei do Impeachment.
O texto aponta,
sim, os descalabros da Petrobras e acusa a responsabilidade da presidente,
evocando os itens 3 e 7 do Artigo 9º da mesma Lei 1.079, segundo os quais “são
crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: não tornar
efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos
funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição; (…) proceder de
modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
Tudo indica que
Eduardo Cunha — e espero que assim seja — vá pagar, sim, também na Câmara,
pelos crimes que cometeu — no Supremo, não há a menor dúvida. Ora, que Dilma
arque com o peso dos seus, cada um segundo a sua responsabilidade.
Reitero: ainda que
prevaleça a leitura ridícula, absurda, que se faz do Parágrafo 4º do Artigo 86
da Constituição — a saber: “O Presidente da República, na vigência de
seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de
suas funções —, a denúncia contra a presidente deixa claro que ela pedalou
e editou decretos ilegais também em 2015.
E por que falo em
“leitura ridícula”? Porque é obvio que não se podem considerar as pedaladas de
2014 “estranhas” ao mandato atual já que foram dadas justamente para que Dilma
escondesse do distinto público a situação fiscal miserável do Brasil, o que lhe
permitiu fazer uma campanha eleitoral mentirosa, omissa, que colaborou para que
obtivesse o segundo mandato.
Mais: ao manter os
programas oficiais com dinheiro que não pertencia ao Tesouro, mas aos bancos
públicos, estava usando as ilegalidades para cuidar de seu patrimônio
eleitoral.
Dilma escolheu ser
vítima em sua fala. OK. É uma tática. Só que o Brasil está a precisar de uma
líder ou um de líder que respeite as regras do jogo, não de uma mártir
desastrada, vítima de sua própria concepção de mundo.
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