Presidente usou discurso para atribuir acolhimento do pedido de
impeachment a revanche. Disse que nunca barganhou com o peemedebista e se calou
sobre mérito do documento que pede sua deposição
Por Laryssa Borges, de Brasília,
02/12/2015, www.veja.com.br
A presidente Dilma Roussef durante coletiva no
Palácio do Planalto após o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, autorizar a
abertura de um processo de impeachment
A presidente Dilma Rousseff se
pronunciou por volta das 20h30 desta quarta-feira sobre a decisão do presidente
da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de acolher o pedido de impeachment contra
ela. Metade do discurso foi dedicado a cotoveladas em Cunha. A outra, a
mentiras - a presidente negou que o Planalto tenha tentado barganhar o
arquivamento do documento em troca dos votos petistas a favor de Cunha no
Conselho de Ética. Nenhuma frase tratou do mérito do pedido encaminhado pelos
juristas Hélio Bicudo, Janaina Paschoal e Miguel Reale Jr.
Ao tomar conhecimento da decisão
de Cunha, a presidente se reuniu com seus ministros mais próximos, como Jaques
Wagner (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça). Em seu pronunciamento,
ela estava acompanhada por onze ministros, inclusive do PMDB, partido de
Eduardo Cunha. Dilma tentou solapar a legitimidade do processo impeachment com
o argumento de que Cunha já não tem condições de presidir a Câmara. Em um
ataque direto a Cunha, ela afirmou que "não possui bens no exterior"
e que "nunca coagiu ou tentou coagir" pessoas. Cunha responde a
inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeitas de ter contas
secretas na Suíça onde teriam sido depositadas propinas do escândalo do
petrolão e foi oficialmente acusado pelo doleiro Alberto Youssef de ter mandado
o coagir na CPI da Petrobras.
Ela afirmou que recebeu com
"indignação" a atitude do deputado. Dilma disse que a tentativa de
deposição não tem fundamento e que o processo que pode levar a seu afastamento
do Palácio do Planalto é uma ofensiva "contra um mandato democrático
conferido a mim pelo povo brasileiro". A presidente reforçou, assim, o
discurso petista, já propalado nas redes sociais do partido, segundo o qual o
impeachment seria um golpe contra a democracia. "Não podemos deixar
conveniências e interesses inconfessáveis abalar a democracia", resumiu.
"[Os argumentos] são inconsistentes. Não existe nenhum ato ilícito
praticado por mim", alegou.
Dilma afirmou ainda que nunca
autorizou qualquer tipo de barganha entre representantes do governo e o
presidente da Câmara. "Eu jamais aceitaria qualquer tipo de barganha que
colocasse em risco o funcionamento das instituições ou o Estado democrático de
direito", disse. No entanto, durante toda a tarde o governo procurou Cunha para oferecer-lhe uma última tentativa
de acordo: não
apenas os três votos no Conselho de Ética como uma defesa pública do
peemedebista.
O pedido - A linha de defesa adotada
no governo é de eficácia duvidosa. Não é o caráter de Cunha que estará em
julgamento a partir de agora: a decisão de dar seguimento ao processo é do
Congresso e a questão que os parlamentares terão de analisar é a das pedaladas
fiscais.
No dia 21 de outubro, o
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recebeu o pedido
de impeachment que começará a tramitar no Congresso. Elaborado pelos juristas
Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr e pela criminalista Janaina Paschoal, o
documento elenca argumentos com base nos quais a petista deveria perder o
mandato. Os autores alegam que Dilma cometeu crime de responsabilidade, por
exemplo, por manter as chamadas pedaladas fiscais em 2015, com atrasos de
repasses de recursos do Tesouro a bancos públicos, como o Banco do Brasil, o
BNDES e a Caixa Econômica, e omissão de passivos da União junto a essas
instituições.
A tese considerada crucial por
Cunha, porém, foi o fato de o governo federal ter editado decretos sem número
para abrir créditos sem autorização do Congresso Nacional. Isso já foi motivo
para a rejeição das contas do governo e, na avaliação do peemedebista,
configura crime de responsabilidade. "A argumentação para 2015 envolve a
edição de decretos sem número no montante de 2,5 bilhões de reais que foram
editados em descumprimento à lei orçamentária", disse o presidente da
Câmara. Pela Lei 1079, de 1950, é crime de responsabilidade "infringir,
patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária" e "ordenar
ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos
pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito
adicional ou com inobservância de prescrição legal". Sobre esses fatos,
Dilma se calou.
Confira a íntegra do pronunciamento
da presidente:
Boa noite a todos. Dirijo agora
uma palavra de esclarecimento a todos os brasileiros e a todas as brasileiras.
No dia de hoje, vocês viram foi aprovado pelo Congresso Nacional o projeto de
lei que atualiza a meta fiscal, permitindo continuidade de serviços públicos
fundamentais para todos os brasileiros. Ainda hoje recebi com indignação a
decisão do senhor presidente da Câmara dos Deputados de processar pedido de
impeachment contra mandato democraticamente conferido a mim pelo povo brasileiro.
São inconsistentes e improcedentes as razões que fundamentam esse pedido. Não
existe nenhum ato ilícito praticado por mim. Não paira contra mim nenhuma
suspeita de desvio de dinheiro público. Não possuo conta no exterior, nem
ocultei do conhecimento público a existência de bens pessoais, nunca coagi nem
tentei coagir instituições ou pessoas na busca de satisfazer meus interesses.
Meu passado e meu presente atestam a minha idoneidade e meu inquestionável
compromisso com as leis e a coisa pública. Nos últimos tempos e em especial nos
últimos dias, a imprensa noticiou que havia interesse na barganha dos votos de
membros da base governista no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Em
troca haveria o arquivamento dos pedidos de impeachment. Eu jamais aceitaria ou
concordaria com quaisquer tipos de barganha, muito menos aquelas que atentam
contra o livre funcionamento das instituições democráticas do meu país,
bloqueiam a justiça ou ofendam os princípios morais e éticos que devem governar
a vida pública. Tenho convicção e absoluta tranqüilidade quanto à improcedência
desse pedido, bem como a seu justo arquivamento. Não podemos deixar as
conveniências e os interesses indefensáveis abalarem a democracia e a
estabilidade do nosso país. Devemos ter tranqüilidade e confiar nas nossas
instituições e no Estado democrático de Direito. Obrigado [sic] a todos vocês e
muito boa noite.
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