Por Araré
Carvalho, 09/07/2015,
www.estadao.com.br
Uma recente pesquisa divulgada mostrou que 74% da
população brasileira é contrária ao financiamento da campanha eleitoral por
empresas privadas. Essa pesquisa serviu para críticos demonstrarem como a
Câmara está em dissonância com a vontade do povo ao votar a legalidade dessa
ação. No entanto, há alguns dias, alguns deputados usaram de uma pesquisa onde
87% dos entrevistados afirmaram ser a favor da redução da maioridade penal para
justificar seus votos. Onde está a verdade? Os representantes devem votar em
consonância com os representados? Bom, na democracia representativa em seu sentido
puro o povo diretamente não toma nenhuma decisão. Os representantes eleitos
detêm essa prerrogativa, sendo essa a principal característica do sistema: as
opiniões, votos e decisões têm certa autonomia em relação aos eleitores – ainda
que saibamos que essa autonomia é condicionada pelo desejo de ser reeleito nas
próximas eleições, de modo que não parece aconselhável dispor totalmente dela.
Isso porque a democracia representativa é contrária ao mandato imperativo.
Disso se tira que os representantes não precisam
concordar sempre com seus eleitores, nem tomar suas decisões pautadas na
vontade dos representados, ainda que eleitos para representá-los (do mesmo
modo que é garantido aos eleitores total direito de manifestar suas opiniões,
discordando ou não da opinião dos governantes). Essa autonomia é requerida ou
esquecida na mesma medida dos interesses dos deputados sobre o tema em questão.
Sem desprezar a importância dessa autonomia, uma vez que na maioria dos temas
debatidos grande parte do eleitorado passa à margem de uma discussão mais
aprofundada, o problema é o risco de cair na Teoria das Elites, ao ignorar
completamente o que a população diz. Teoria que atribui a uma elite governar no
lugar das massas que, por conta das condições materiais e históricas, estariam
inaptas a escolherem o que é melhor para os rumos políticos. Para fugirmos
dessa hipótese é necessário que a democracia representativa efetive um elemento
central desse modelo: a promoção de um Debate Público sobre os temas em
discussão na Câmara. E é aí que falha feio nossa democracia.
O debate não é promovido nos espaços públicos e
democráticos da nossa sociedade. E quando é, é feito mal e porcamente, baseado
em clichês, estereótipos e palavras de ordem. Voltemos às últimas votações a
respeito da maioridade penal. Qualquer pessoa que assistiu ao debate que
antecedeu a definição parcial deve ter percebido que não temos uma democracia
das “elites” (no sentido intelectual da palavra), muito menos um modelo
representativo de fato. Os argumentos de quem assumiu a tribuna foram uma seqüência
de “lugares comuns”, desprezo por dados científicos, enaltecimento do “cidadão
de bem” e ódio. O debate sério não se dá nem no plano da Câmara dos Deputados;
o que esperar então dos debates em espaços públicos? Aumenta-se o ódio,
trocam-se cérebros por fígados e o impossível diálogo se instaura.
Invariavelmente esquerda e direita se arvoram como porta voz dos anseios da
população. População que politicamente é um ornitorrinco. Ora extremamente
conservadora, ora bastante progressista. A direita trabalha a democracia de
maneira elitista, se dispondo a dirigir essa massa desqualificada de cima pra
baixo. Por outro lado, a esquerda se isola em redomas acadêmicas de
autovalidação, vendo a população mais pobre só como objeto de retórica e se
assustando com as idiossincrasias e contradições reais desta, tornando-se
incapaz de dialogar dentro desse cenário. Enquanto isso, não temos nem uma
democracia das elites, nem uma democracia representativa. Seguimos com a
democracia da mediocridade.
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