Levantamento de VEJA revela que o
volume de bens e serviços exportados para Cuba não condizem com os valores
destinados para a obra
Por Leonardo
Coutinho, 30/08/2015,
www.veja.com.br
Inaugurado
em 2013, o Porto de Mariel, em Cuba, recebeu 682 milhões de dólares do BNDES. A
obra é um dos segredos que serão desvendados pela CPI
Desde a inauguração, em janeiro de 2014, do
Porto de Mariel, em Cuba, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social) é questionado quanto aos critérios técnicos para o empréstimo de 682
milhões de dólares para a obra (cujo custo total foi de quase 1 bilhão de
dólares), que ficou a cargo da empreiteira Odebrecht. A operação, feita com
dinheiro dos contribuintes brasileiros, era vantajosa para o banco? Qual era o
benefício econômico da obra para os interesses brasileiros? Por que o governo
classificou o conteúdo do contrato como "secreto", com validade até
2027? O BNDES e a Odebrecht sempre deram a mesma resposta: que 100% do dinheiro
investido não saiu do Brasil, ficando aqui na forma de pagamento de salários,
de custos de engenharia e administração e de exportação de bens (cimento, aço,
máquinas, carros, etc.) destinados à construção. Na semana passada, Luciano
Coutinho, do BNDES, repetiu a explicação em depoimento que marcou o início dos
trabalhos da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), instalada na primeira
semana de agosto no Congresso para investigar possíveis irregularidades na
atuação do banco.
Falando não apenas de Mariel, Coutinho voltou a
garantir que as operações de incentivo a obras no exterior são rentáveis e que
os 12 bilhões de dólares concedidos em empréstimos foram
integralmente destinados à compra de bens e à contratação de serviços no
Brasil. Esta, aliás, é a regra para que o dinheiro seja concedido. Mas, como as
obras são realizadas no exterior e não estão sujeitas ao escrutínio do Tribunal
de Contas da União, a forma como esse dinheiro é gasto é uma caixa-preta que as
empreiteiras e o próprio BNDES se recusam abrir.
Um levantamento realizado por VEJA, a partir da
análise da balança comercial Brasil-Cuba, revela o abismo entre as explicações
do presidente do BNDES e os números oficiais disponíveis. O total da exportação
de produtos brasileiros que podem ser associados à construção civil (incluindo
máquinas, caminhões, tratores e peças de reposição) para Cuba, entre 2010 e
2013, corresponde a apenas 22% do valor do empréstimo para construção do porto
neste mesmo período. Trata-se de uma estimativa otimista, pois é possível que
parte desses produtos exportados tenha sido destinados a outros
empreendimentos, sem qualquer relação com Mariel.
Além das exportações de produtos, mediu-se o valor
da contratação dos serviços sobre o total da obra. Para isso, baseou-se na
referência utilizada pelo TCU para os empreendimentos no Brasil. Para calcular
a relação dos custos dos serviços de engenharia e arquitetura, o tribunal se
vale de uma pesquisa da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia que
montou uma tabela a partir das informações fornecidas por seus associados.
Segundo a experiência auferida no Brasil, quanto maior o valor da obra, menor o
impacto do preço dos projetos em seu custo final. Em uma obra como a de Mariel,
esse percentual seria de cerca de 3,5% do valor do orçamento (ou seja, 3,5%
sobre os quase 1 bilhão de reais do total da obra). E, ainda conforme
estimativas do TCU, que considerou mais de 2 000 obras no Brasil para
estabelecer um indicador, os custos indiretos de uma obra portuária são de 27,5%,
em média (também sobre o valor total da obra). Este percentual inclui a
administração da obra, despesas financeiras e o lucro da empreiteira.
Portanto, a soma da exportação de produtos para
construção civil, além de carros e outros bens, dos serviços de engenharia e
dos custos indiretos (incluindo a margem de lucro da empreiteira) mal chega 65%
do valor do empréstimo concedido pelo BNDES. Onde foram aplicados os 35%
restantes, que equivalem a 238,7 milhões de dólares?
Procurada por VEJA, a Odebrecht não informou como é
composto o custo da obra. Limitou-se a enviar uma lista de fornecedores e
afirmou ter gerado 130.000 postos de trabalho no Brasil. O BNDES sustentou que
100% dos recursos destinados às obras foram gastos na aquisição de produtos e
serviços brasileiros. "Muita gente tem pensado que a CPI tem por objetivo
destruir o BNDES. A nossa missão é justamente o contrário. Vamos revisar cada
um desses contratos e caso existam problemas, ninguém será poupado", diz o
deputado Marcos Rotta (PMDB-AM), que preside a CPI.
Na semana passada, a CPI definiu a estratégia de
trabalho. Serão convidados a depor nas próximas sessões três ex-presidentes que
comandaram a instituição desde 2003 - Carlos Lessa, Guido Mantega e Demian Fiocca. Requerimentos
que previam a convocação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de seu
filho Fábio Luis e de empresários como Eike Batista, Joesley Batista e Marcelo
Odebrecht não serão votados até que a comissão consiga analisar um total de
270.000 contratos firmados pelo BNDES desde 2003. Para esse trabalho, os
deputados pediram reforço. Farão parte da "força-tarefa" técnicos do
Tribunal de Contas da União, do Coaf e da Polícia Federal.
A CPI do BNDES foi instalada no início de agosto
para investigar os contratos firmados pelo banco nos últimos doze anos. Somente
em projetos de infraestrutura em onze países, o BNDES destinou mais de 12
bilhões de dólares, no período. Angola, Venezuela e República Dominicana foram
beneficiadas com cerca de 66% do total. Em junho, o banco publicou na internet informações sobre as taxas de
juros e os prazos de pagamento de cada um dos 516 contratos firmados com onze
países. A abertura parcial dos dados sequer resvalou no nível de transparência
necessário para as operações.
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