O ex-diretor da Petrobras está
prestes a assinar acordo de delação premiada, no qual conta que os contratos
foram direcionados à construtora Schahin com o propósito de saldar dívidas da
campanha presidencial petista em 2006
Por Robson Bonin, 14/08/2015,
www.veja.com.br
Nestor Cerveró: o ex-presidente da Petrobras José
Sérgio Gabrielli o incumbiu pessoalmente de cuidar dos problemas de caixa que o
PT enfrentava depois da eleição de Lula para o segundo mandato
No início de 2007, a Petrobras experimentava uma
inédita onda de prosperidade estimulada pelas reservas recém-descobertas do
pré-sal. O segundo mandato de Lula estava no começo. Com a economia aquecida e
o consumo em alta, a ordem era investir. A área internacional da companhia, sob
o comando do diretor Nestor Cerveró, aportou bilhões de dólares na compra de
navios-sonda que preparariam a Petrobras para a busca do ouro negro em águas
profundas. Em março daquele ano, uma operação chamou atenção pela ousadia. Sem
discussão prévia com os técnicos e sem licitação, a estatal comprou uma sonda
sul-coreana por 616 milhões de dólares. E, ainda mais suspeito, escolheu a
desconhecida construtora Schahin para operá-la, pagando mais 1,6 bilhões de
dólares pelo serviço. Um negócio espetacular - apenas para a empresa que vendeu
a sonda e para a construtora, que tinha escassa expertise no ramo. A Lava-Jato
descobriu que, como todos os contratos, esse também não ficou imune ao
pagamento de propina a diretores e políticos. O escândalo, entretanto, vai
muito mais além.
Em delação premiada, o operador Julio Camargo, que
representava a Samsung na transação do navio-sonda Vitória 10 000, confessou ter pago 25 milhões
de dólares em propinas a diretores e intermediários, incluindo aí o próprio
Cerveró. Com o esquema em torno da sonda revelado, faltava descobrir o papel da
Schahin na operação. E é exatamente Nestor Cerveró, preso em Curitiba e agora
negociando a sua delação premiada, quem revela a parte até aqui desconhecida da
história. Em um dos capítulos do acordo que está prestes a assinar com o
Ministério Público, o ex-diretor da área internacional conta que os contratos
de compra e operação da sonda Vitória 10 000 foram direcionados à
construtora Schahin com o propósito de saldar dívidas da campanha presidencial
de Lula, em 2006. E, por envolver o caixa direto da reeleição do petista, a
jogada foi coordenada diretamente pela alta cúpula da Petrobras.
Nos primeiros relatos em busca do acordo, Cerveró
contou que o PT terminou 2006 com uma dívida de campanha de 60 milhões de reais
com o Banco Schahin, pertencente ao mesmo grupo que administrava a construtora.
Sem condições de quitar o débito pelas vias tradicionais, o partido usou os
contratos da diretoria internacional para pagar a dívida da campanha. Então
presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli incumbiu pessoalmente Cerveró do
caso. O ex-diretor recebeu ordens claras para direcionar o contrato bilionário
da sonda à Schahin. Uma vez contratada pela Petrobras, a empreiteira descontou
a dívida do PT da propina devida aos corruptos do petrolão. Para garantir o
silêncio sobre o arranjo, a Schahin também pagou propina aos dirigentes da Petrobras
envolvidos na transação. Os repasses foram acertados pelo executivo Fernando
Schahin, filho do fundador do grupo, Milton Schahin, e um dos dirigentes da
Schahin Petróleo e Gás. Fernando usou uma conta no banco suíço Julius Baer para
transferir a propina destinada aos dirigentes da estatal para o banco Cramer,
também na Suíça. O dinheiro chegou a Cerveró e aos gerentes da área
Internacional Eduardo Musa e Carlos Roberto Martins, igualmente citados como
beneficiários dos subornos.
Além de amortizar as dívidas da campanha de 2006, o
contrato da sonda Vitória 10 000 serviu para encerrar outro
assunto nebuloso envolvendo empréstimos do Banco Schahin e o PT. A história
remonta ao assassinato do prefeito petista Celso Daniel, em Santo André, em 2002.
Durante o julgamento do mensalão, ao pressentir que seria condenado à prisão
pelo Supremo Tribunal Federal, Marcos Valério, o operador do esquema, tentou
fechar um acordo de delação premiada com o Ministério Público. Em depoimento na
Procuradoria-Geral da República, ele narrou à história que agora pode se
confirmar no petrolão. Segundo Valério, o PT usou a Petrobras para pagar
suborno a um empresário que ameaçava envolver Lula, Gilberto Carvalho e o
mensaleiro preso José Dirceu na trama que resultou no assassinato de Celso
Daniel.
Valério contou aos procuradores que se recusou a
fazer a operação e que coube ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal de
Lula, socorrer a cúpula petista. Segundo ele, Bumlai contraiu um empréstimo de
6 milhões de reais no Banco Schahin para comprar o silêncio do chantagista.
Depois, usou sua influência na Petrobras para conseguir os contratos da sonda
para a construtora. O próprio Milton Schahin admitiu ter emprestado 12 milhões
de reais ao amigo de Lula. "O Bumlai pegou, sim, um empréstimo, como
tantas outras pessoas. Mas eu não sou obrigado a saber para que o dinheiro foi
usado", disse recentemente à revista Piauí.
Eivada de irregularidades, a contratação da Schahin
tornou-se alvo de investigação da própria Petrobras. A auditoria da estatal
concluiu que a escolha da Schahin se deu sem "processo competitivo" e
ocorreu a partir de índices operacionais de desempenho artificialmente inflados
para justificar a contratação. Os prejuízos causados pela transação em torno
da Vitória 10 000 foram classificados pelos técnicos como
"problemas políticos", que deveriam ser resolvidos pela cúpula da
estatal. Não fosse pela Lava-Jato, a trama que envolve a campanha de Lula e os
contratos na Petrobras permaneceria oculta nos orçamentos cifrados da estatal.
A Schahin, que vira seu faturamento saltar de 133 milhões de dólares para 395
milhões de dólares durante os oito anos de governo Lula, seguiria faturando sem
ser importunada.
O cerco, porém, está se fechando. Os números das
contas usadas no pagamento de propinas no exterior e até detalhes das viagens
de Fernando Schahin à Suíça já foram entregues pelos ex-dirigentes da Petrobras
aos procuradores. Apesar dos claros sinais de fraude no processo, o
ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli defendeu a compra da sonda ao
depor como testemunha de defesa de Cerveró na Justiça. Procurados, os advogados
de Cerveró disseram que não poderiam se pronunciar sobre o andamento do acordo
de delação com o Ministério Público. Os demais citados negaram envolvimento no
caso. Ao falar da ordem para beneficiar a Schahin, Cerveró reproduziu a frase
que teria ouvido de Gabrielli: "Veio um pedido do homem lá de cima. A
sonda tem de ficar com a Schahin". E assim foi feito. Cerveró ainda não
revelou quem era o tal "homem".
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