Por Augusto Nunes, 26/08/2015,
www.veja.com.br
Texto de
José Nêumanne publicado no Estadão
Em plena campanha, a candidata à reeleição Dilma
Rousseff afirmou, sem medo de ser contrariada, que seria capaz de “fazer o
diabo” para ganhar eleições. Foi uma das poucas verdades que disse ao longo de
todo o pleito – talvez a única. Prometeu o paraíso nos trópicos e está
entregando uma conjunção infernal de crises: política, econômica e, sobretudo,
moral.
Mas nenhuma das mentiras que ela contou em
palanques e debates na TV é comparável à sua reação aos protestos de 16 de
agosto dos revoltados com a corrupção e com seu padim Lula, indignados
com seu partido de adoção, o PT, e insatisfeitos com a má gestão de seu
desgoverno. Em vez de dar alguma satisfação aos manifestantes, mandou uma
trinca de porta-vozes falarem por ela. Foram eles seu porta-voz, Edinho Silva,
acusado na Operação Lava Jato de ter recebido dinheiro sujo para a campanha
dela, da qual ele era tesoureiro; e os líderes de seu desgoverno na Câmara, José
Guimarães (PT-CE), chamado pelo ex-presidente de Lula de “aloprado” após um
assessor ter sido preso no aeroporto com dólares na cueca e irmão de José
Genoino, ex-presidente de seu partido e condenado por corrupção pelo Supremo
Tribunal Federal; e no Senado, José Pimentel (PT-CE), que ninguém sabe de onde
vem nem para onde vai. O tal trio classificou como manifestações de
“intolerância” os protestos pacíficos, dos quais não participaram os
anarquistas Black blocs de junho de 2013 e em que não se registrou, por isso
mesmo, nenhum ato de vandalismo.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB,
cobrou da presidente o “gesto de grandeza” da renúncia. O apelo serviu de senha
para conter o oportunismo em duas mãos da oposição, dividida entre o golpismo
do senador Aécio Neves (PSDB-MG), tentando antecipar a eleição presidencial, e
a esperteza de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que prefere deixar o desgoverno dela
desabar sobre nossas cabeças descobertas até 2018. “Vamos deixá-la sangrar”,
disse o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP).
Mas não provocou nenhuma reação da chefona do
governo. Como esperar um “gesto de grandeza” de uma presidente incapaz sequer
de reconhecer os próprios erros? Ou de corrigir, de forma satisfatória, a
trajetória errática da condução de sua política econômica? Ela deu uma guinada
para a direita nomeando Joaquim Levy ministro da Fazenda. E logo em seguida
convocou o fantasma da origem da catástrofe, que ela encomendou a Guido Mantega
no primeiro mandato, ao distribuir benesses à indústria automobilística, cujos
operários têm retribuído o patrocínio do próprio desemprego com índices
espetaculares de rejeição, que foi de 84% no ABC na pesquisa do Datafolha com
índice nacional de 71%.
Posterior à pesquisa, o desemprego do mês passado
foi o pior de todos os meses de julho nos anos anteriores. Com a perspectiva de
chegar o fim do ano com 1 milhão de brasileiros sem emprego, a tendência é seus
índices de popularidade desabar, aumentando em proporção similar a intolerância
da cidadania à corrupção, sobre a qual Dilma e seus asseclas calam. Mas os
fatos se sucedem de forma espantosa: as notícias de que a Camargo Corrêa
devolverá R$ 700 milhões às estatais tungadas e de a UTC ter vencido licitação
na BR com um preço 795% maior que o dos concorrentes não levaram Dilma a
reconhecer o óbvio.
E agora, ao confessar que não percebeu a dimensão
da crise na campanha, insinuando que sofremos aqui o efeito do desabamento
chinês, a presidente já merece receber – juntos – os Prêmios Nobel da Economia,
por gerir uma crise vinda de fora um ano depois; da Física, por ter antecipado
o efeito à causa; e da Literatura. Pois superou Jonas, considerado pelo Prêmio
Nobel Gabriel García Márquez o inventor da ficção porque contou à mulher que
fora engolido e expelido por uma baleia. Comparado com Dilma, o profeta bíblico
é um repórter sem imaginação.
Na campanha, o marqueteiro João Santana produziu um
vídeo em que mãos peludas de banqueiros furtavam a comida da mesa do
trabalhador, referindo-se a Neca Setúbal, assessora da adversária Marina Silva.
Um ano depois, tornada a terra prometida o deserto de desesperança geral,
Roberto, irmão de Neca e presidente do Itaú-Unibanco, disse à Folha de
S.Paulo que a saída da reeleita do poder provocaria “instabilidade”. Com
lucro líquido de R$ 20,242 bilhões no ano passado, 29% acima do resultado de R$
15,696 bilhões de 2013, talvez ele tema que a “instabilidade” que infelicita
centenas de milhares de trabalhadores sem holerite, este ano, vá bater às
portas do seu banco.
Dilma, que se jacta de ter resistido à tortura na
ditadura, adotou na tal campanha o codinome de Coração Valente. Recentemente,
ao lado de Barack Obama, na Casa Branca, disse desprezar delatores,
referindo-se a colaboradores da Justiça na Operação Lava Jato, o único
empreendimento público do Estado brasileiro a merecer respeito da cidadania. E
a guerrilheiros que, torturados, deram informações a torturadores que os
levaram a companheiros de armas. No entanto, não contestou o coronel Maurício
Lopes Lima, que ela havia acusado de ter quebrado seus dentes, no DOI-CODI da
Rua Tutoia. Lima negou e até fez blague dizendo em entrevista ao Portal
IG, citada pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha no jornal Já, de Porto
Alegre: “Se eu soubesse naquela época que ela seria presidente, eu teria pedido:
‘Anota meu nome aí. Eu sou bonzinho’”. A frei Tito o tal oficial apresentou o DOI-CODI
como “a sucursal do inferno”.
Dilma também não contestou o relatório apresentado
pelo Exército à Comissão da Verdade, que ela constituiu, assegurando que nada
aconteceu de irregular em suas dependências. A ditadura acabou, mas as vítimas
das pedaladas e outras artimanhas de seu desgoverno nesta Pátria do Pixuleco
vivem um inferno em cuja porta, ao contrário do de Dante Alighieri, não tem
mais esperança nenhuma a deixar.
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