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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Nessa canoa furada



Por Augusto Nunes, 23/10/2015,
 www.veja.com.br

Texto de Fernando Gabeira publicado no Estadão

“Como vai você/ assim como eu/ uma pessoa comum/ um filho de Deus/ nessa canoa furada/ remando contra a maré.” Esses versos de Rita Lee cantados por Marina Lima me vêm à cabeça neste momento da crise brasileira. Uma canoa furada remando contra a maré. Dois personagens centrais brigam pela imprensa. Dilma e Cunha estão numa gangorra. Se um deles parar de repente, o outro voa pelos ares.
Dilma pensa na queda de Cunha, ele pensa na queda dela. Nenhum dos dois parece capaz de realizar esse feito. Para derrubar Dilma é preciso um processo conduzido por alguém que não esteja envolvido no escândalo. Para derrubar Cunha é preciso um tipo de pressão que seus oponentes não fazem.
Na queda de Renan Calheiros, lembro-me bem de que ele não conseguia presidir sessões do Congresso porque os opositores não deixavam. Não sei se isso é possível na atual e sinistra correlação de forças na Câmara. No fundo, seria mais uma paralisia num quadro de desalento e grandes dificuldades econômicas. Esse impasse político faz da retomada do crescimento, ainda que em novas bases, uma outra canoa furada. Com todos os personagens centrais, Renan incluído, tentando se equilibrar falta energia para pensar no país.
O projeto de Joaquim Levy passa pela CPMF. Mais uma furada. O imposto não será aprovado no Congresso, mesmo se usarem parte dele comprando deputados. Ninguém vende o próprio pescoço num momento em que os eleitores estão atentos. Levy sempre poderá buscar outros meios, como a Cide, de combustíveis, por exemplo. Mas, derrotado com a CPMF, teria força para esse novo movimento? Além disso, há as repercussões inflacionárias.
O ajuste possível e necessário para avançar não tem chance de ser feito. O clima político é de salve-se quem puder. Se fossem personagens de House of Cards, a série de TV americana, até que seria divertido ver o desenrolar de seu destino.
Não canso de lembrar: eles estão aqui, entre nós. Já vamos encolher este ano e em 2016. O número de desempregados cresce e isso é um tema ofuscado pela briga lá em cima da pirâmide.
Outro tema que passa batido são os impactos econômicos do El Niño. As chuvas provocam grandes estragos no Sul e a seca em muitas partes do Brasil é intensa. Pode faltar água nas metrópoles do Sudeste. Com a seca vêm as queimadas. Os incêndios em áreas de conservação em Minas cresceram 77%. São 421 focos. O governo do estado lançou um plano de emergência de R$ 8 milhões, mas os prejuízos são muito maiores e talvez o dinheiro seja curto. Se computarmos os estragos das cheias, da seca e das queimadas, vamos nos dar conta de que estamos num ano de forte El Niño.
No Brasil é um El Niño abandonado. Não houve planejamento. Em Minas o procurador de meio ambiente, Mauro Fonseca Ellovitch, culpa a imprevisão do governo. Mas é um problema nacional. Quem vai cuidar do El Niño com tantas batalhas políticas pela frente?
O fogo comendo aqui embaixo e os malabaristas divertindo a platéia com seus saltos. O PT é o mais sofisticado deles. Resolveu se opor a Joaquim Levy.
Dilma arruinou o país e precisou de Levy para sanear as contas. De modo geral, isso ocorre em eleições, quando o perdedor deixa para trás uma terra arrasada. Mas o PT ganhou as eleições. Se tivesse perdido, ficaria mais confortável na oposição ao ajuste. Na ausência de um governo adversário, o PT coloca um adversário no governo. Sabendo que Levy propõe medidas duras e tende a fracassar, o PT estará com seu discurso em dia.
O movimento é mais sutil porque tenta atribuir todas as dificuldades do momento à política de Levy, mascarando o imenso rombo deixado pelo próprio governo. Duvido que Dilma e o PT não tenham combinado o clássico movimento morde e assopra. Tanto ela como o PT precisam de Levy: ela para acalmar os mercados e o partido para bater nele.
Outra figura polivalente para o PT é o próprio Eduardo Cunha. Derrubá-lo ou não derrubá-lo? É preciso um bom número de deputados do partido para assinar o pedido no Conselho de Ética. E um bom número para ficar calado, uma tática de não agressão. É preciso ser contra Cunha e trabalhar nos bastidores para mantê-lo. Enquanto encarnar a oposição no Parlamento, Cunha será apenas um roto falando do esfarrapado.
Em Estocolmo, Dilma alvejou Cunha, referindo-se ao escândalo: pena que seja com um brasileiro. É um pequeno malabarismo para reduzir o maior escândalo da História a um samba de um homem só. Ainda assim, os aliados acharam que foi um movimento de guerra. Talvez tenha sido inábil no quadro de um acordo de paz, em que ninguém derruba o outro.
Dilma foi à Suécia ganhar o Prêmio Nobel de inabilidade. Foi inspecionar os objetos mais caros que o Brasil comprará: os caças de US$ 4,5 bilhões. Nada contra a Aeronáutica nem contra os caças suecos. Vivemos na penúria perdendo empregos, lojas fechando, cortes de gastos. Recém-condenada pelo TCU por esconder um rombo no Orçamento, ela escolheu como gesto político reafirmar a compra dos caças. E nos deixou como consolo o corte de 10% no salário dos ministros.
Os tempos mudaram tão rapidamente que já não consigo entender a lógica das agendas presidenciais. Alguém deve ter dito: vamos dar uma resposta ao TCU posando diante dos caças suecos, isso levanta o ânimo da galera. Depois de pedalar, Dilma entra num caça. Recentemente, testou um carro sem piloto. Ela parece gostar de veículos, movimento. Amante da poesia mineira corre o risco de parafrasear Drummond: no meio do caminho, havia um trator.
Para muitos, o processo ainda parece dar-se num universo distante e autônomo, como se fosse mesmo um programa de TV ao qual se pode assistir, mas não alterar o seu curso. Aos que não acreditam nisso, resta à esperança da ação, a certeza de que presidentes caem e sistemas políticos perversos como o brasileiro podem ser reformados.
Ainda que palhaços e malabaristas nos divirtam, será preciso botar fogo no circo.

Comentários:

Marcos-Marilia/SP.

24/10/2015 às 08h47min
É isso mesmo. Assim é que se analisa parabéns Oliver. Kkkkkkkk

Noah

24/10/2015 às 06h14min
Oliver, não compreendi bem o fundamento para a sua crítica ao Fernando Gabeira. A menção ao El Niño, pelo que entendi, é para enfatizar que além da incapacidade dos governos de administrar o país em suas necessidades básicas, há a total falta de planejamento para enfrentar problemas causados por fenômenos climáticos. Agora, o seu argumento sobre a idade do articulista está bem claro e lamento que você tenha recorrido a ele.

Oliver

23/10/2015 às 19h43min
QUÉ QUÉ ISSO, COMPANHEIRO?
Dizem que brasileiro tem memória curta. A previsão do tempo que o diga. O sujeito diz que vai chover gatos e canivetes no dia seguinte e, quando abre aquele solão, não se emenda: tasca logo um “como eu havia dito ontem, fez sol em toda região”. Pois é. Ainda me lembro aqui mesmo de alguns articulistas saudando o fato de que finalmente teríamos agora um parlamento com sangue oposicionista. Eu mesmo ajudei a eleger dois carimbos nessa testa, representados pelos senadores Fita Crepe e Aloysio. Mal sabia eu que um deles resolveu declarar-se mais esquerda que o PT, no meio do caminho, se é que é possível chover mais no molhado que isto e ser mais infiel ao seu eleitorado do que isto. O que leio hoje é exatamente o muxoxo de que nossa oposição ainda é minoria. E onde exatamente ela seria maioria sem causar estragos para o governo? Tenha paciência. Apostando na memória curta, não do eleitorado, mas dos próprios jumentos que vamos elegendo, tivemos por aqui um presidente que também era chegado em aviões de guerra velhos de guerra. O cara que falava com a imprensa por camisetas também pediu para vestirem verde-amarelo para defenderem o seu governo. Quem é ignorante rematado corre o serio risco de reinventar a roda, meus caros. Ver a mamulenga-em-chefe fazendo uma selfie ao lado de seus aviõezinhos da esquadrilha à beira de virar fumaça não difere muito de apresentar um candidato oposicionista montado numa bicicletinha manca, pronto para pedalar várias voltas em volta do próprio rabo na lagoa. O que é realmente incrível é um fenômeno que atinge várias pessoas com a idade do nobre articulista; o fechamento do foco ótico, ou “tubo”. Com ele, a visão periférica vai sumindo e a pessoa tende a não enxergar mais os nuances do que se passa em sua volta. Confunde-se facilmente este problema ocular da idade com a tendência de todo velhinho de não se relacionar com mais ninguém, simplesmente porque já não enxerga nada em sua volta. Vou dar um desconto e imputar ao fenômeno, a cegueira momentânea do articulista. Não é possível estarmos mesmo preocupados com o El Niño – preocupação até legítima, eu diria – quando temos que nos preocupar mesmo com a presença do El Lulo, um vagabundo que perde os dedos pelo caminho para salvar os anéis e que o próprio articulista ajudou a criar em nossa previsão de tempos bem recentes. O cara que ajudou a construir essa picaretagem hoje não se dedica muito a descontrui-la, como podemos ver em suas poesias assimétricas e temporonas. Tudo bem. A claque animada comparecerá em peso por aqui, como sempre, para saudar o melhor texto de todos os tempos da semana passada de Gabeira. O cara realmente se supera a cada letrada. Qué qué isso…

Luis

23/10/2015 às 19h08min
Ótimo texto Gabeira!
Mas como vamos botar fogo no circo ??????

Evaristo

3/10/2015 às 18h27min
No convite do Levy para assumir o ministério estava escrito; “LEVY, VOU LHE USAR…”.

Martins, URGENTE ABAIXO-ASSINADOS!

23/10/2015 às 18h17min
Olá! Amigos.
Temos que lutar contra essas tiranias modernas de maneira inteligente, senão seremos derrotados. E uma das formas, além é claro do voto, é nos unirmos e realizarmos, por exemplo: campanhas e abaixo assinados. Eu, já estou participando e peço a vocês que também PARTICIPEM E ESPALHEM a notícia para o maior número possível de pessoas.
Eu acabei de assinar no SITE CHANGE.COM 3 petições MUITÍSSIMO IMPORTANTES NESSA LUTA, abaixo segue os links:
2) Para o “congresso nacional derrubar o veto de Dilma ao voto impresso nas urnas eletrônicas”:
3) Para a “UFRJ exonerar o professor Mauro Iasi”:
É muito importante! Que tal você também assinar e repassar a notícia?
E fique tranqüilo, não é vírus, pode pôr o endereço no GOOGLE e conferir.
Obrigado,
Martins

Edson

23/10/2015 às 17h37min
O circo vai pegar fogo é em janeiro, quando começarem as demissões em massa. As empresas produzirão par um dezembro pífio e não suportarão a crise. Vai ter trabalhador indo para o olho da rua. Quero ver se os vagabundos sejam situação ou oposição (??) suportarão a pressão das ruas. Uma hora isso explode e vai detonar essa corja pilantra e salafrária!

Maria Lúcia de Medeiros

 23/10/2015 às 17h26min
Do jeito que o quadro está sendo pintado, só o povo nas ruas poderão atear fogo no circo e é isso que vai acontecer

Luisa

23/10/2015 às 17h24min
Brilhante como sempre...
Perfeita a frase: "na ausência de um governo adversário, coloca- se um adversário no governo”...
Eles não querem governar... Nenhum interesse nisso.
Querem ganhar dinheiro, muito dinheiro... Querer ter poder, nomear cupinchas, servir- se do país, ao invés de servir ao país.
Para isso, todo acordo espúrio é válido.
Levy serve e atende a esse papel... Um adversário no governo, mas que faz o papel sujo, enquanto eles posam de bonzinhos...
É essa compra bilionária de caças na Suécia?
Ninguém fala nada?Com a economia em frangalhos, qual a prioridade disso?
Alguma polpuda comissão falou mais alto.
Não temos mesmo a quem recorrer.


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