Nossos votos são para que não se proteja nenhuma autoridade em dívida
criminal ou moral
Por
Ruth de Aquino, 18/12/2015,
www.época.com.br
Adeus, ano legislativo de 2015.
Agora, nós devemos cumprir nosso rito de verão com nossas famílias, em clima de
paz e na maior leveza possível, respeitando as divergências e data vênia,
já que juízes, senadores e deputados decidiram manter o recesso e empurrar as
grandes decisões para depois das festas de Momo. Não deveriam. O momento é
grave e exigiria a volta dos trabalhos em janeiro, mas os Três Poderes ainda
pensam que Deus é brasileiro.
O presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, o maior sobrevivente do ano, o mais manchado por denúncias de roubo e
propinas, com o nome carimbado em contas e gravações, permanece onde sempre
esteve, ileso, frio, tranqüilo e impassível como Bruce Lee. O Supremo Tribunal
Federal o esganou de um lado, cancelando a sessão mais maluca da Câmara, que
buscava impedir a presidente Dilma Rousseff em voto secreto e atabalhoado. Mas,
para compensar, deu a Cunha Chikungunya um balão de oxigênio até fevereiro.
A presidente Dilma Rousseff comemora
a virada abraçada à ala peemedebista do presidente do Senado, Renan Calheiros –
exemplo de honradez pessoal e política como era seu padrinho, José Sarney. E
também apoiada pelos movimentos sociais de esquerda que tanto criticam seu
modelo econômico e que cobrarão a conta em 2016. Dilma acende a vela a deus e
ao diabo, faz promessa e reza para os santos das causas impossíveis. Pede com
fervor, entre uma pedalada e outra, que sua impopularidade não suba para 80%
até fevereiro, com a economia do país em frangalhos.
O vice-presidente e presidente do
PMDB, Michel Temer, fecha o ano como o maior derrotado, um abajur decorativo
retrô no Palácio do Planalto, sem saber ainda em que tomada conseguirá acender
sua retórica. Temer termina 2015 acossado por Renan como “coronel de partido” e
“ajudante de pedalada fiscal”. Deprimente para quem achava que tinha o PMDB na
mão. Temer tem de suportar calado (aliás, como quase sempre) o desafio do
deputado federal Leonardo Picciani, líder na Câmara, do PMDB da D.
Vamos torrar no sol e brindar com
água, caipirinha ou champanhe nacional o fim de um ano histórico, em que os
podres de políticos e empresários vieram à tona em jatos. Faltou água, sobrou
lixo tóxico. Foi um ano em que a TV Justiça transmitiu um seriado que parecia
inverossímil, com delatores, heróis e vilões se alternando nos papéis.
Cada episódio, chamado de “Operação”,
ampliava as quadrilhas e suas ramificações. Começando pela Lava Jato, os nomes
foram criativos, literários, irônicos e simbólicos. Operação My Way. Operação
Que País é Esse. Operação A Origem. Operação Erga Omnes. Operação Conexão
Mônaco. Operação Politeia. Operação Radioatividade. Operação Pixuleco. Operação
Nessun Dorma. Operação Corrosão. Operação Passe Livre. Operação Crátons.
Operação Vidas Secas. Operação Catilinárias. Operação Sangue Negro. O Brasil
acompanhou com brigas ferozes nas redes sociais as delações, os mandados de
busca e apreensão e as prisões feitas pela Polícia Federal.
A grande represa de Brasília se rompeu.
Como deviam rir os corruptos, quando a imprensa denunciava mordomias como
passagens aéreas e outras! Tudo fichinha. O rombo real era de outra ordem,
milhões e bilhões de dólares, passados de mão em mão, de conta em conta, de
estatal a governo, de governo a empresário e vice-versa, e até de país a outro
país. Bons pagadores de propinas. Mestres no achaque e no desvio de recursos
públicos.
Escolham sua fantasia para brincar o
Carnaval – porque até lá nenhuma peça no tabuleiro deve ser trocada, a não ser o
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que lutou em vão para o Brasil não perder o
selo de bom pagador. Perdeu Levy. Perdeu a pose e o sorriso. Perdeu a meta e a
voz. Perdeu o ajuste e o rumo.
O Brasil teve um choque de realidade
em 2015, mergulhado na delação e na depressão, com gosto de ressaca. Podemos,
por isso mesmo, insistir na esperança. Porque o povo não quer casuísmo nem
ditadura fascista ou venezuelana. O povo também não quer uma democracia
rebaixada. O populismo latino-americano incompetente está com os dias contados.
A esperança é que o Brasil, com a
sociedade civil e as instituições, tenha a grandeza de punir de verdade os
responsáveis por escândalos, desvios e crimes orçamentários. Os mandachuvas, e
não só os paus-mandados. Os que deixaram na penúria, sofrendo com a inflação e
o desemprego, uma grande fatia da população, que rejeita vilões de qualquer
ideologia.
Nossos votos são para que não se
proteja nenhum partido e nenhuma autoridade em dívida criminal ou moral. Que
não vençam, em 2016, mais uma vez, o corporativismo e a impunidade. E que,
antes do apagar das luzes do verão, a Samarco tome vergonha na cara e abrigue e
indenize as vítimas do crime ambiental de Mariana. É pedir muito?
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