Segundo Moro, o que mais choca é que corrupção não era exceção, mas sim
a regra
Por Augusto
Nunes, 09/11/2016,
www.veja.com.br
Texto de Eliane Cantanhêde Publicado no Estadão
Em sua longa e inédita entrevista a Fausto Macedo e
Ricardo Brandt, no Estado, o juiz Sérgio Moro foi simples, cauteloso,
mais preocupado em dar sua versão da Lava Jato ao País do que ostentar erudição
para seu público interno ou fazer provocações incabíveis aos alvos das
investigações e sentenças. Não personificou críticas e não adiantou
julgamentos, mas deixou muito claras suas posições e motivações.
Assim como eu, tu, nós e eles, Moro confessou que o
que mais o chocou em todas essas revelações da Lava Jato foi “a própria
dimensão dos fatos” e a descoberta de “uma corrupção sistêmica, corrupção como
uma espécie de regra do jogo”. Sim, há crime de colarinho branco no Brasil e no
mundo. Sim, desvio de dinheiro público, ganância do setor privado, enriquecimento
de servidores, nada disso é novo, nem tão surpreendente. O que surpreende, ou
choca, é a dimensão, é a corrupção deixar de ser exceção e virar regra.
Talvez o exemplo mais contundente disso seja o
delator Pedro Barusco, que se comprometeu a devolver US$ 100 milhões. O cara
era gerente de Engenharia da Petrobras, ou seja, nem diretor era. E devolve o
correspondente a R$ 320 milhões?! Quem devolve tudo isso roubou quanto? E ainda
guardou quanto? Logo, Barusco dá uma boa dimensão do que foi o petrolão e mostra
como a corrupção não era restrita, ocasional, mas uma rede sem limites,
corriqueira.
E por que só ex-tesoureiros do PT foram presos?
(Aliás, três deles.) A resposta de Moro foi simples: só tinha poder para nomear
e manter diretores e gerentes que negociavam, distribuíam e embolsavam propinas
milionárias era quem estava no governo. Por óbvio, quem não tinha a caneta e o Diário
Oficial não podia nomear um Barusco para roubar e fazer o rateio do roubo.
Então, perguntaram os repórteres, a Lava Jato vai poupar PSDB e até o PMDB,
principal aliado do PT com Lula e Dilma? “Processo é uma questão de prova”,
respondeu Moro, machadianamente. Poderia acrescentar: “questão de prova, meu
caro Watson”.
Moro disse que “o trabalho feito lá (no Supremo)
merece todos os elogios”, mas não deixou de mexer numa velha ferida exposta
agora pela Lava Jato: o foro privilegiado. O STF não está capacitado para investigar,
julgar, condenar ou absolver 513 deputados, 81 senadores e todos os outros
poderosos que têm privilégio de foro. E são só 11 ministros, atolados por 44
mil processos só no primeiro semestre deste ano. No mínimo, tudo será
muitíssimo mais lento. Para Moro, o ideal seria reduzir o foro privilegiado,
que penaliza os ministros e acaba por beneficiar os políticos, para os
presidentes da República, do Senado, da Câmara e do próprio Supremo.
Sempre cauteloso, Moro repetiu o questionamento da
ministra Cármen Lúcia sobre a oportunidade de o Senado endurecer a lei de abuso
de autoridade em meio ao maior julgamento de partidos e políticos da história
do País, mas fez uma espécie de chamamento ao Congresso para “acompanhar a
percepção de que é necessário mudar” e aprovar o pacote de medidas
anticorrupção apresentado pelo MP e referendado por milhões de brasileiros.
Por falar nisso, o juiz disse que “jamais, jamais”
seria candidato a um cargo político. Está escrito e publicado, mas Moro só tem
44 anos, comanda um processo inédito de depuração das práticas políticas e é
tão amado e tão odiado quanto costumam ser, não os juízes, mas os políticos. E,
afinal, o futuro a Deus pertence.
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