A ciranda da corrupção colocou ex-intocáveis na roda. Vão todos cirandar
na Lava Jato
Por Ruth de
Aquino, 21/10/2016,
www.época.com.br
Era vidro e se quebrou. O amor que tu me tinhas era
pouco e se acabou. A ciranda cirandinha da corrupção no Brasil colocou
ex-intocáveis na roda. Vão todos cirandar na Lava Jato. Nas rodas multimilionárias, que envolvem
empreiteiros e governadores, o anel não é de vidro, mas de ouro branco e
diamantes. Custou R$ 800 mil, foi dado pelo dono da construtora Delta, Fernando
Cavendish, à mulher do ex-governador Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, como
presente de aniversário, em 2009, no restaurante Le Louis XV, sob comando do
estrelado chef Alain Ducasse, no Principado de Mônaco.
Parece história da carochinha, mas não é. O roteiro
era censurado a nós. A promiscuidade político-empresarial ronda a pornografia.
O Brasil de Cabral é redescoberto pelo juiz Sergio Moro. É salutar, é um curso de ética ministrado a
fórceps. A prisão do poderoso Eduardo Cunha, cercado por lenhadores e ninjas tatuados da
Polícia Federal, está inserida nessa ciranda. Por enquanto, os presos esperam
dar apenas a meia-volta. Mas volta e meia vamos dar. É preciso crer no
cancioneiro popular.
A história do anel, embora centrada no Rio de
Janeiro, está carregada de simbolismo nacional e federal – é a jóia da coroa num
país onde a troca de favores envolve bilhões e macula a reputação de
presidentes da República. Pensar em presentes pessoais de quase R$ 1 milhão, no
estado mais falido hoje da Federação, é algo surreal. Em reportagem exclusiva
do jornal O Globo, fomos informados do singelo anel de € 220 mil
(equivalentes a cerca de R$ 800 mil) que Cavendish deu a então primeira-dama do
estado do Rio, formada em Direito, advogada atuante.
No dia 18 de julho de 2009, Cabral levou Cavendish
a uma joalheria de Monte Carlo, em Mônaco, a Van Cleef & Arpels, na Place
du Casino, para pegar o presente de Adriana, que já estaria reservado. A conta
teria apanhado o empresário de surpresa. Adriana colocou o anel na mão esquerda
em seu jantar de aniversário, num restaurante que é uma pequena réplica do
Palácio de Versalhes.
A foto com o anel foi entregue por Cavendish aos
investigadores da Lava Jato como um mimo da delação premiada. Para provar que
comprou a jóia, o empreiteiro passou a nota fiscal e o comprovante de seu
cartão de crédito. Cabral confirmou o presente, mas negou ter achacado o amigo
e disse ignorar o valor do “cadeau”. Devolveu o anel a Cavendish quando os dois
romperam a amizade em 2012. O motivo alegado da briga? Na Operação Monte Carlo,
descobriu-se que o dono da Delta usava as empresas do bicheiro Carlinhos
Cachoeira para lavar dinheiro. Quem devolveu o anel a Cavendish foi um amigo e
assessor de Cabral, Paulo Fernando Magalhães Pinto. Curiosamente, está no nome
do mesmo Paulo Fernando o luxuoso Ford Ranger que Cavendish disse ter dado a
Cabral de presente.
O grupo gostava de comer e beber bem na Europa e de
adornar a cabeça com guardanapos, dançando nas ruas. Até aí, farras inofensivas
da vida, se não envolvessem um empreiteiro que conseguira dobrar seu
faturamento graças à amizade com o governador. A Delta de Cavendish faturou R$
11 bilhões em obras no Rio entre 2007 e 2012, pelo que se sabe até agora. Em
maio, ex-executivos da Andrade Gutierrez disseram que Cabral só permitiu a
entrada da construtora no consórcio de reforma do Maracanã junto com a
Odebrecht sob uma condição: que não se mexesse nos 30% da Delta. Cabral reagiu
“com indignação” a essa acusação.
Os laços não eram apenas profissionais. A tragédia
pessoal também os uniu. A queda de um helicóptero em Porto Seguro, na Bahia, em
2011, matou a namorada do filho de Cabral, Mariana Noleto, e a mulher de
Cavendish, Jordana Kfuri. Por pouco, não foram os homens as vítimas. Por falta
de lugares no helicóptero, mulheres e crianças foram na frente. Entre os sete
mortos estava à irmã de Jordana, Fernanda Kfuri, de 35 anos, que, segundo
versões, namorava Cabral. O governador e a mulher, Adriana, se separaram
durante um tempo após o acidente, mas Cabral jamais confirmou o caso.
No mundo todo, há ligações moralmente condenáveis
entre o Poder e empresários. Ou entre presidente e congressistas. No Brasil,
foi longe demais. Tudo andou tão desregrado por tanto tempo que as cenas de
hoje parecem improváveis. Como imaginar que Eduardo Cunha e o ex-ministro de
Lula, Antonio Palocci, estariam ambos presos um dia, separados por uma cela e
impedidos de tomar sol juntos, para não atrapalhar investigações sobre propina
e corrupção? O Brasil deixou de ser um país de “faz de conta”, afirmou Moro.
Queremos acreditar. A paralisação das atividades no Congresso logo após a
prisão de Cunha leva a crer que o medo se espalhou em Brasília. Quem tiver
culpa nessa ciranda, diga um verso bem bonito, diga adeus e vá se embora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário