O ex-presidente sugeriu a
existência de influências externas para o fato de os partidos e candidatos
esquerdistas terem sido repudiados nas urnas no mês passado
Por Augusto
Nunes, 17/11/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
O Estado brasileiro é ilegítimo, está a serviço de
interesses estrangeiros e por isso não tem moral nem autoridade para julgar e
botar na cadeia Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é a tese implicitamente
defendida há dias pelo antigo ídolo do ABC paulista, em encontro de partidos e
movimentos de esquerda: “Estamos na hora de costurar uma coisa maior, mais
sólida. Não é um partido, não é uma frente, é um movimento para restaurar a
democracia”. Ora, se algo precisa ser restaurado é porque foi desfigurado,
deturpado. Sendo assim, as instituições brasileiras não têm legitimidade para
julgar e condenar quem quer que seja, muito menos um campeão das causas
populares que ensinou ao mundo como combater a fome e acabou com a miséria.
O palco para o grande “evento democrático” em
solidariedade ao Movimento dos Sem-Terra (MST) em Guararema (SP) foi armado na
Escola Nacional Florestan Fernandes, criada pelo MST para formar militantes
políticos. A escola havia sido vítima da “truculência policial”. Participaram
do encontro representantes do PT, PCdoB, PSOL e PSTU, além de movimentos
sociais e organizações sindicais. Animado por manifestações de devotado apoio –
que só tem visto em ambientes selecionados –, Lula sugeriu a existência de
influências externas para o fato de os partidos e candidatos esquerdistas terem
sido repudiados nas urnas no mês passado: “Tem muita coisa que está acontecendo
que não é da cabeça do Temer nem do Eduardo Cunha. Tem muito mais cabeças se
metendo, como se meteram na Argentina, Uruguai, Bolívia”.
Está clara, pois, a estratégia de Lula na tentativa
de afastar o risco cada vez mais próximo de ser condenado em um dos processos
em que é réu por corrupção. A Lava Jato e operações congêneres não passam de
instrumentos de perseguição do PT e seus dirigentes. E esta é apenas uma das
manifestações da ampla conspiração do capital financeiro internacional para
acabar com as lideranças “progressistas” do País e se apossar do mercado
interno e de nossas riquezas naturais.
É claro ademais que, uma vez não sendo mais o
Brasil uma democracia, fica fácil compreender como e por que a “nova matriz
econômica” dos governos petistas foi sabotada pelo mercado; como é que alguém
como Eduardo Cunha conseguiu se tornar presidente da Câmara depois da vitória
de Dilma no pleito presidencial de 2014; como é que “a maior base parlamentar
da História da República” se dissolveu num piscar de olhos e todas as propostas
progressistas de Dilma passaram a ser rejeitadas; como é que, de uma hora para
outra, o partido mais popular do País foi massacrado nas urnas municipais. É
óbvio que tudo isso só aconteceu porque os inimigos do povo acabaram com a
democracia no Brasil. Com o apoio da esquerda internacional, é preciso
“restaurar a democracia” entre nós, como espertamente defende Lula da Silva.
Sobre os desmandos administrativos, o desmanche da economia e a corrupção
patrocinada pelo lulopetismo, nenhuma palavra.
O aceno à esquerda internacional tem a intenção de
explorar o que resta do prestígio do ex-presidente no exterior e capitalizá-lo
na forma de manifestações de solidariedade que criem um clima favorável para
que, em caso de condenação, Lula obtenha asilo político em algum país amigo. Há
quem defenda a ideia de que seriam politicamente proveitosas a condenação e a
prisão de Lula, pois, sob protestos dos progressistas do mundo inteiro,
criariam um grande mártir cuja imagem atrás das grades motivaria uma reação
perfeita para reconquistar apoio popular.
Essa ideia, porém, só pode passar pela cabeça de
quem não conhece o apego que Lula e sua família sempre tiveram às conquistas do
alpinismo social e econômico. Lula até topa virar mártir, desde que
confortavelmente instalado em algum aprazível recanto do mundo, do qual possa
se deslocar para atender, a bom preço, a governos e instituições que se
interessem por detalhes de como acabou com a fome e a pobreza no Brasil. Quem
quiser que acredite. Porque o que Lula está armando mesmo é um golpe para chamar de seu.
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