Já que é para embarcar em coisas
assim, que não se descuide do lado “gauche” da vida, não é mesmo?
Por Reinaldo
Azevedo, 07/11/2016,
www.veja.com.br
Tenho uma tese: o poder faz mal à
inteligência crítica, especialmente à de assessores. Vamos lá. Fôssemos do
primeiro ou de segundo escalões de Michel Temer, e alguém sugerisse contratar
artistas por R$ 596,8 mil para comemorar o, como é mesmo? “centenário do
samba”, a primeira reação seria a óbvia, a ululante, a escandalosamente
evidente: “Melhor não, né, pessoal? Na era da austeridade, não fica bem! Se o
governo quer homenagear o centenário do samba, basta ao presidente que fale
alguma coisa ou emita uma nota. Ou que o faça o Ministério da Cultura”.
Mas não. Haverá cantoria, num evento
fechado, na noite desta segunda, no Palácio do Planalto. Artistas foram
contratados com dispensa de licitação. Todos eles são ligados à empresa Treco
Produções Artística Ltda. No evento, 36 personalidades serão agraciadas com a
Ordem do Mérito Cultural — na verdade, essa é a razão original do evento; o
samba é o tema.
Não vou atacar de moralista babaca. O
Ministério da Cultura dispõe de verba para coisas assim. Cada pasta tem seu
nicho de atuação. O governo pode dizer, inclusive, que está economizando. No
ano passado, no governo Dilma, evento semelhante custou R$ 1,1 milhão, com show
de Caetano Veloso. E ainda houve proselitismo contra o impeachment.
Desta feita, vão se apresentar Neguinho
da Beija Flor, Márcio Gomes, Áurea Martins e André Lara. A cantora Fafá de
Belém foi contratada para cantar o Hino Nacional.
Reitero: faz-se agora, com menos
dinheiro, o que se fazia antes. Mas é evidente que se está entregando à
imprensa um prato cheio de ironias, não? E ela tem de fazer o seu trabalho, é
claro!
Ainda que eu não seja do tipo que
converte todo gasto em número de bolsas famílias ou unidades do Minha Casa
Minha Vida, é evidente que esse show seria dispensável. Que se concedam as tais
medalhas em cerimônia compatível com tempos de crise. Que se aproveita para
homenagear o samba com o recato daquela que pisava nos astros distraída. E não
com a sem-cerimônia de quem pisa nos astros desastrados.
Ah, sim: Hino Nacional sem Vanusa não vale!
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