Em dois anos e meio de
investigação e julgamento do maior escândalo de corrupção de que já se teve
notícia, o juiz Sérgio Moro tornou-se o mais popular e admirado brasileiro
contemporâneo
Por Augusto
Nunes, 07/11/2016,
www.veja.com.br
Texto de José Nêumanne publicado no Estadão
A entrevista exclusiva que o comandante da Lava
Jato, o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba,
concedeu a Fausto Macedo e Ricardo Brandt e foi publicada no Estadão de
domingo 6 de novembro é um feito jornalístico e histórico. Em dois anos e meio
de investigação e julgamento do maior escândalo de corrupção de que já se teve
notícia, o jovem magistrado tornou-se o mais popular e admirado brasileiro
contemporâneo e até então só tinha dado suas opiniões em palestras ou nos autos
dos processos que julga. Nunca antes havia respondido a perguntas diretas de
jornalistas como acaba de fazê-lo.
Nas duas páginas da edição dominical do Estadão ele
não fez nenhuma revelação espetacular. Não respondeu, por exemplo, à pergunta
que os repórteres lhe fizeram e dez entre dez brasileiros, seus admiradores ou
detratores, gostariam de fazer: “O senhor vai mandar prender o ex-presidente
Lula?”. Sua resposta foi lacônica: “Esse tipo de pergunta não é apropriado,
porque a gente nunca fala de casos pendentes”. Ele também perdeu uma
oportunidade de desmentir seus desafetos que o acusam de ser tucano ou filho de
tucano ao responder à pergunta se votou no referido personagem. “É o tipo de
resposta que eu não posso dar, porque acho que o mundo da Justiça e o mundo da
política não devem se misturar”, disse.
Ao longo das respostas que deu apenas repetiu, de
forma didática e até acaciana (ao estilo do Conselheiro Acácio, personagem de
Eça de Queiroz que só proferia o óbvio), verdades que precisam mesmo ser
repetidas. Só isso é capaz de removê-las do lixo ideológico sob o qual têm sido
soterradas na guerra retórica em que se debate o Brasil. Neste país da polêmica
pronta, onde o argumento vale mais do que o fato, sua entrevista restaura a
realidade oculta na ilusão e desmente a falácia da utopia pomposa sobre a
rotina do dia a dia.
Em Ah se não fosse a realidade, sua recente
crônica dominical publicada na última página da Folha Ilustrada, o poeta
Ferreira Gullar descreveu essa situação. Ele narra casos do cotidiano em que
adeptos do populismo lulopetista, derrotado no impeachment de Dilma no
Congresso e massacrado nas urnas em outubro passado, apelam para a descarada
desfaçatez de contestar a vida com o lorotário ideológico disponível. O autor
ouviu de uma interlocutora esta pérola: “Na cidadezinha onde moro não há
desemprego. Duvido muito desses números”. Lembrada de que os dados tinham a
chancela autorizada do IBGE, à época em que Dilma ainda presidia o País, a
pessoa não se deu por rogada: “E o IBGE não podia estar infiltrado por
adversários do governo?”.
A negação do fiasco petista tem no trabalho de Moro
uma de suas vítimas preferenciais. A citada ex-“presidenta”, com sua caradura
de hábito, atribuía ao trabalho da força-tarefa da Lava Jato, composta por
policiais e procuradores federais, a culpa pela crise financeira que devasta o
Brasil, gerando quebradeira de empresas, desemprego em massa e inflação. Moro
ressuscitou o Conselheiro Acácio para repetir aos repórteres o que a realidade
clama: “O que traz instabilidade é a corrupção, e não o enfrentamento da
corrupção. O problema não está na cura, mas, sim, na doença. O Brasil pode se
orgulhar de estar, dentro da lei, combatendo a corrupção. A vergonha está na
corrupção, não na aplicação da lei”. A verdade, a simples verdade, nada mais,
nada menos do que a verdade.
A retórica tatibitate da ex-presidente afastada
pelo Congresso deixou marcas na discursalhada de seu partido, o PT, e da
esquerda em geral. Um dos argumentos mais comuns dessa gente tem sido apoiar o
desempenho da Lava Jato, mas cobrar de federais, de procuradores e, sobretudo,
do juiz acusações contra corruptos não filiados aos partidos que mandaram e
desmandaram na República nos 13 anos, 4 meses e 12 dias antes do afastamento da
ampla aliança de forças comandadas pelo PT e pelo PMDB. Trata-se de um
argumento falso e hipócrita. Moro despacha-o com lógica e singela clareza. “A
atuação da Justiça, do Ministério Público e da polícia não tem esse viés político-partidário.
O fato é que contra quem têm aparecido provas, têm sido tomadas as providências
cabíveis”.
“Por que só ex-tesoureiros do PT estão presos?”,
perguntaram, então, os repórteres. E Moro respondeu: “Considerando os casos que
já foram julgados, há uma afirmação de que a vantagem indevida, a propina que
era paga nos contratos da Petrobrás, era dividida entre os agentes da estatal e
os agentes políticos que davam suporte à permanência daqueles agentes em seus
cargos. Nessa perspectiva, quando isso foi de fato comprovado, é natural que
apareçam nos processos exatamente aqueles agentes políticos que pertenciam à
base de sustentação do governo”.
Na entrevista, o juiz defendeu as dez medidas de
combate à corrupção apresentadas com 2 milhões de assinaturas de eleitores e o
apoio entusiástico do Ministério Público Federal. A reputação que ele
conquistou na sociedade não basta para tornar o projeto imune a críticas. Nem a
emendas, que cabe ao Congresso adotar ou não. É claro que o desempenho de sua
função, que permite a punição exemplar aos corruptos e justifica seu prestígio
na sociedade, lhe dá autoridade para defender tal posição, mas isso não basta
para que ela seja seguida, como ele gostaria, na possível lei que dela advier.
Da mesma forma, devem ser avaliadas suas posições
críticas contra a lei do abuso da autoridade, que, por ordem expressa do
presidente do Senado, Renan Calheiros, foi desengavetada no momento em que este
protagoniza 11 inquéritos no aguardo de decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF). O parlamentar goza, como todos os seus pares, da prerrogativa de foro,
que Moro, com quem muitos juristas concordam e de quem muitos advogados
discordam neste caso, prefere ver limitado aos chefes dos Poderes.
O ministro do STF Gilmar Mendes, sempre disponível
para se pronunciar fora dos autos, chamou a sugestão do juiz de primeira
instância de “simplista” e disparou, sem dó: “Para todo problema complexo, toda
solução simples é geralmente errada”. Sua Excelência não pode ser acusado de
originalidade. A frase original é: “Para todo problema complexo existe sempre
uma solução simples, elegante e completamente errada”, da lavra do genial e
impiedoso jornalista, sátiro, crítico cultural, poeta e acadêmico americano
Henry Louis Mencken.
É do mesmo autor o aforismo que poderia servir de
epígrafe para este artigo, para a coluna de Gullar no último domingo e para a
entrevista de Moro resgatando a verdade dos fatos neste Brasil que virou
atualmente o reino das versões e das utopias complexas, deselegantes e
politicamente corretas: “Creio que é melhor dizer a verdade do que mentir,
saber do que ignorar, ser livre do que depender”. O ministro Mendes talvez
devesse incluí-la em seu estoque de frases feitas para pronto uso.
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