O Estado está quebrado, e Sérgio
Cabral foi parar na cadeia. As acusações são muito graves - e não estou aqui emitindo uma sentença de
condenação. Ele tem direito à defesa, mas mesmo os seus admiradores mais
entusiasmados hão de admitir que a sua situação é muito grave
Por Reinaldo
Azevedo, 17/11/2016,
www.veja.com.br
Já escrevi aqui uma vez que a
bancarrota do Estado do Rio era o emblema de um jeito de gerir o estado
brasileiro. Ainda que a muitos pareça heterodoxo, poucos políticos se pareciam
tanto com Lula como Sérgio Cabral, o Garotão do Rio, preso nesta quinta-feira.
Vamos lá: perdularismo; parolagem sobre
o nada; mistificação; marquetagem de quinta categoria; irresponsabilidade
fiscal; mistificação de programas (no caso de Cabral, as UPPs; no caso de Lula,
o Bolsa Família); intimidade com empresários que faziam negócios com o Estado;
indistinção entre o público e o privado; certeza de que a nova era duraria cem
anos; simpatia escancarada e acrítica de setores consideráveis da imprensa…
O Rio sob Cabral era o Brasil sob Lula
em escala reduzida. Também por ali valia uma máxima muito citada na minha
família quando era criança para designar a falsa qualidade e para denunciar a
picaretagem: “Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”.
O Estado está quebrado, e Sérgio Cabral
foi parar na cadeia. As acusações são muito graves — e não estou aqui emitindo
uma sentença de condenação. Ele tem direito à defesa, mas mesmo os seus admiradores
mais entusiasmados hão de admitir que a sua situação é muito grave.
As acusações que pesam contra ele têm
origem em delações de pesos-pesados. E elas o colocam não como elo de uma
cadeia, mas como o chefe de um bolsão corrupto dentro da corrupção mais geral.
E por que o então governador do Rio
ganhou esse protagonismo? Porque o Estado serviu de terreno de manobra dos
delírios de grandeza de Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse sentido, Cabral foi
mesmo um parceiro e tanto. Não por acaso, no bolo das acusações contra o
peemedebista, estão obras da Copa, a menina dos olhos de Luiz Inácio Apedeuta
da Silva.
Um dos motivos centrais de sua prisão é
a reforma do Maracanã, que acabou saindo pela bagatela de R$ 1,2 bilhão, nada
menos do que o dobro daquilo que foi orçado. Estima-se que só esse
empreendimento gerou R$ 200 milhões em pagamento de propina. Só a Andrade
Gutierrez, segundo delações, teria feito ao então governador, entre 2010 e
2011, pagamentos mensais de R$ 300 mil. As investigações apontam que ele teria
sido o destinatário de fabulosos R$ 40 milhões em propina.
Como esquecer que Cabral chegou a ser
considerado um governador exemplar e modelo a ser seguido por outros gestores?
E que fique claro, hein? Não foi só o petismo que entrou nessa, não. Setores
consideráveis da imprensa viam nele um exemplo de homem operoso e pragmático.
Eis aí. Segundo as investigações, nem os vestidos da ex-primeira-dama tinham
origem lícita.
Boquinha da garrafa
Em 2012, Anthony Garotinho publicou
fotos em que Cabral e alguns secretários aparecem numa farra, em Paris, em
companhia do empresário Fernando Cavendish, dono da Delta. Vejam as imagens.
Garotinho disse que os convivas estavam
dançando “Na Boquinha da Garrafa” em pleno restaurante Ritz. A informação lhe
teria sido passada por quem forneceu as fotos. Pode ter carregado nas tintas
para submeter o adversário político ao ridículo. Mas uma coisa é certa: de
várias maneiras, ninguém por lá estava fazendo um papel muito bonito? O que
fazia toda a cúpula do governo do Rio em Paris, em companhia do dono de uma
empreiteira flagrada em várias operações criminosas?
Bem, Garotinho está preso.
Sérgio Cabral está preso
E eu me lembrei do “Sermão do Bom
Ladrão”, de Padre Vieira — de um trecho em particular:
“De um chamado Seronato disse com
discreta contraposição Sidónio Apolinar… Seronato está sempre ocupado em duas
coisas: em castigar furtos, e em os fazer. Isto não era zelo de justiça, senão
inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.”
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