Capa do jornal “Extra”, sobre a
eleição no Rio, combina vários equívocos; e todos eles estão contra o
povo
Por Reinaldo
Azevedo, 01/11/2016,
www.veja.com.br
A reação das esquerdas cariocas, de
Marcelo Freixo (o psolista derrotado) em particular, e de setores consideráveis
da imprensa à vitória de Marcelo Crivella (PRB) para a Prefeitura do Rio é das
coisas mais vergonhosas que vi em muitos anos. Raramente a gente pode
identificar preconceitos tão diversos juntos, amarrados, compondo um eixo de
valores. Raramente, em suma, os fascistas que se querem do bem foram tão
explícitos.
Dito de outro modo: os esquerdistas
endinheirados da Zona Sul estão revoltados com o povo das zonas Norte e Oeste.
O melhor desempenho do socialista branco, de olhos azuis (é um “critério Lula”
de análise política), se deu em Cosme Velho e Laranjeiras: 67,09% dos votos
válidos. Crivella, o candidato que, segundo as esquerdas, seria contra os
pobres, triunfou pra valer em Cosmos, Paciência e Santa Cruz: 77,82% dos votos
válidos. Acabou a paciência dos ricos distributivistas com os pretos de tão
pobres e pobres de tão pretos. Eles não sabem votar!
Um emblema do inconformismo com o
resultado das urnas foi à capa do jornal “Extra” desta segunda, uma das
manifestações mais agudas de mau jornalismo em muitos anos. Ali estava o
retrato do inconformismo com o povo, da leitura xucra da política, do fel
antipopular transformado em gracinha supostamente criativa, do trocadilho
infeliz alçado à condição de análise política. Vejam.
O que se tem aí? Em letras garrafais,
lê-se: “O RIO É UNIVERSAL”. É evidente que se faz uma alusão direta à
denominação pentecostal à qual pertence o prefeito eleito. Ao mesmo tempo,
tenta-se emprestar a essa palavra o sentido denotativo: universal é aquilo que
diz respeito a todos; é o contrário do particular, do isolado. Nota à margem
para quem não sabe: universal, em grego, é “katholikós”. Daí deriva a “Igreja
Católica”, aquela que seria de todos, não apenas de um povo eleito. Sigamos com
a capa do Extra.
Abaixo do título principal, vêm, então,
os grupos que comporiam a universalidade do Rio, que seria o oposto da Igreja
Universal: “É dos gays, do Carnaval, das mulheres, da diversidade, da umbanda,
dos negros, do Cristo, da tolerância”. Na seqüência, em letras maiúsculas:
“AGORA É CONTIGO, CRIVELLA”.
É evidente que uma capa como essa não
será analisada pelos professores de esquerda das faculdades de jornalismo.
Trata-se de uma das maiores imposturas de todos os tempos. Analisemos as suas
implicações:
1: é evidente que se está a sugerir que o Rio dos “gays, do Carnaval, das mulheres, dos negros etc.” não votou em Crivella, mas em Freixo. Ocorre que o mapa eleitoral evidencia justamente o contrário;
2: o Rio que votou em
Freixo é, ele sim, o menos universal de todos: é majoritariamente branco,
endinheirado e de esquerda;
3: se gays, admiradores
do Carnaval e do Cristo, mulheres e negros tivessem votado em Freixo, o
prefeito eleito do Rio seria… Freixo!;
4: noto uma sutileza eloqüente
na capa, referendada pela imagem: o “Extra” diz que o Rio é “da umbanda”, mas
não diz que a cidade é “do cristianismo”, e sim “do Cristo”, referindo-se à
estátua;
5: na diversidade
imaginada pelo formulador da capa, cabe a umbanda, mas não o cristianismo,
embora, como se sabe, os católicos, protestantes tradicionais e evangélicos
componham a esmagadora maioria da população do Rio e de qualquer cidade;
6: a capa infere o
óbvio: ser “Universal” (da igreja) corresponderia a ser um anti-universalista —
e essa universalidade estaria representada pelo candidato do PSOL, com o seu
ódio ao modelo que permite a diversidade humana: o capitalismo.
7: o editor do “Extra”
foi modesto no apoio de Freixo à universalidade. Deveria ter dito que o Rio é
também dos black blocs, não? Afinal, foram eles que infernizaram por meses a
vida dos cariocas, sem que Freixo jamais tenha se prontificado a censurar a
desordem que promovem.
Para
encerrar
O “Extra” pertence ao grupo Globo.
Crivella é sobrinho de Edir Macedo, chefão da Universal e dono da Record. Nesse
caso, o exercício de preconceito e mau jornalismo só servem para alimentar a
suspeita, que me parece falsa, de que estamos apenas diante de uma briga de
dois grupos de comunicação. O menor se meteria em política para tentar agredir
o maior; e o maior reagiria em nome da diversidade, mas com o propósito de
também responder a uma questão originalmente comercial.
É tudo ruim, não é mesmo? No fim das
contas, estamos falando é de desrespeito à vontade do eleitor. A maioria quis
um Marcelo, não o outro.
Suponho que tal maioria também faça
parte da universalidade do Rio, não? Ou universal, na concepção do pessoal que
imaginou aquela capa infeliz, exclui os vencedores?
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