Não se governa um país com o
Judiciário, mas com a política, e o grande problema é que no Brasil de hoje as
mudanças necessárias para que a política desempenhe seu papel não virão
espontaneamente do Congresso Nacional
Por Augusto
Nunes, 18/10/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
Não se governa um país com o Judiciário, mas com a
política, e o grande problema é que no Brasil de hoje as mudanças necessárias
para que a política desempenhe seu papel não virão espontaneamente do Congresso
Nacional, porque, “compreensivelmente, as pessoas não mudam o sistema que as
elegeu”. Assim, e isso é política, “a sociedade brasileira, mobilizada, é que
deve cobrar as mudanças, começando pelo sistema de justiça, que é o fim do
mundo”. Essa é a opinião do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís
Roberto Barroso, manifestada em entrevista exclusiva ao Estado,
concedida ao repórter Luiz Maklouf Carvalho e publicada na quarta-feira
passada.
Quando um ministro da Suprema Corte admite que o
sistema de Justiça no Brasil é “o fim do mundo”, é preciso refletir sobre o
sentido de suas palavras. Barroso foi nomeado em junho de 2013 por Dilma
Rousseff. Dias atrás, ao indeferir mandado de segurança impetrado pelo PT e
pelo PCdoB para obter a suspensão de tramitação na Câmara da PEC do teto dos
gastos públicos, Barroso afirmou que “o Congresso Nacional é a instância
própria para os debates públicos acerca das escolhas políticas a serem feitas
pelo Estado”. E enfatizou o princípio de que a disputa em torno de medidas
propostas para debelar a crise que o País enfrenta “não é um a questão
constitucional, mas política, a ser enfrentada com mobilização social e
consciência cívica, e não com judicialização”.
O ministro Barroso não fecha os olhos aos graves
problemas da Justiça no Brasil. É enfático ao reconhecê-los, quando perguntado
sobre o que o impressiona na Operação Lava Jato: (O que me impressiona é) “nós
termos construído um país em que um Direito Penal absolutamente ineficiente não
funcionou, durante anos, como mínima prevenção geral para evitar um amplo
espectro de criminalidade”. E acrescenta: “Porque não é um episódio, nem dois,
nem três. Onde você destampa tem alguma coisa. Nós criamos uma delinqüência
generalizada no País. E com um contágio que ultrapassa tudo o que seria
imaginável”.
Ele é incisivo quando trata da judicialização da
política: “Por mais que o Judiciário consiga fazer bem o seu papel, não se
governa um país com o Judiciário. É a política que precisa ser reformada”. É
essencialmente à política que cabe, portanto, promover a reforma também do
Judiciário, o que não impede que ao longo do tempo correções de curso sejam
promovidas pelos próprios magistrados, como ocorreu recentemente com a decisão
do STF de estabelecer que condenados em segunda instância podem começar a
cumprir pena, independentemente do trânsito em julgado de seus processos na
instância superior.
Ao colocar o dedo na ferida da “delinqüência
generalizada (…) que ultrapassa tudo o que seria imaginável”, o ministro
Barroso implicitamente sugere um olhar retrospectivo sobre a política
brasileira, o que leva à reiteração de uma conclusão óbvia a respeito da
maneira como o PT governou o País nos últimos 13 anos. Não foram Lula e o PT
que inventaram a “delinqüência” na gestão da coisa pública. Essa é uma das
características perversas da mentalidade patrimonialista de origem colonial que
contamina desde sempre a política no Brasil.
Mas é igualmente indesmentível o fato de que o
mesmo partido que chegou ao poder prometendo “passar o País a limpo” chegou
também, muito rapidamente, à conclusão de que a adesão aos métodos políticos
que passara a vida condenando era o caminho mais rápido e prático para a
perpetuação de seu projeto de poder. Quem conta essa história tenebrosa de
mensalões e petrolões que enriqueceram os principais figurões do lulopetismo é
a crônica policial dos últimos dois anos e meio.
Tem razão o ministro Barroso: a Justiça precisa ser
muito aperfeiçoada, mas não é ela que vai tirar o País do buraco. É a política.
A boa política. O profilático episódio do impeachment de Dilma Rousseff o
comprova. “Acho que logo ali na frente”, preconiza o ministro, “o País vai ter
que passar por uma campanha incisiva de desjudicialização da vida.”
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