Confesso que acho bastante
heterodoxo haver uma frente que junte entidades do Ministério Público, que
investiga e denuncia, com as de juízes, que julgam. Não dá!
Por Reinaldo
Azevedo, 22/10/2016,
www.veja.com.br
Ai, ai...
Vamos
lá.
Está em curso uma estupefaciente e,
entendo, nefasta reação corporativista contra o ministro Gilmar Mendes, membro
do STF e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Uma tal “Frentas”
(Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público) protocolou, nesta
quinta, junto à Procuradoria Geral da República, uma representação contra
Mendes. Por quê?
Os presidentes das associações que
compõem a dita-cuja pedem que Janot abra uma investigação para apurar se Mendes
cometeu crime de responsabilidade por ter declarado, na última terça, durante
julgamento no TSE, que alguns juízes e promotores, Brasil afora, estariam
usando a Lei da Ficha Limpa para ameaçar parlamentares e políticos que
respondem por processos de improbidade.
Para João Ricardo Costa, presidente da
Associação dos Magistrados Brasileiros e coordenador da Frentas, “as acusações
de Mendes servem somente para desacreditar as instituições”. Ainda segundo ele,
fazendo isso, o ministro “abala a imagem do Judiciário e do Ministério
Público”.
Sei, sei…
A declaração de Mendes foi dada na
terça-feira, durante julgamento do caso envolvendo o prefeito eleito de Quatá,
no interior de São Paulo. Condenado em segunda instância por improbidade
administrativa, o Tribunal Regional Eleitoral indeferiu o registro de sua
candidatura. Ele recorreu ao TSE e pôde concorrer. Venceu a disputa. Por
unanimidade, os ministros do tribunal superior aprovaram o registro. E ele vai
tomar posse. Por quê? Porque os juízes entenderam que a condenação por
improbidade só torna alguém inelegível se casados com o enriquecimento ilícito.
Estranhezas
Bem, a minha primeira estranheza se
volta para a tal “Frentas”. Confesso que acho bastante heterodoxo haver uma
frente que junte entidades do Ministério Público, que investiga e denuncia, com
as de juízes, que julgam. Não dá! É mistura de carne com leite, não é mesmo?
Não se cozinha o filho no leite da mãe. Uma coisa é uma coisa, e outra coisa,
outra coisa.
Já escrevi aqui quão exótico acho haver
associações de juízes com caráter sindical. Dadas a independência, as garantias
e a autonomia que tem um juiz, parece-me que uma associação de caráter
corporativo macula o sacerdócio. Se, a esses entes sindicais, se juntam outros
tantos, aí do Ministério Público, a mistura, então, me parece lustrar o corporativismo,
mas arranhar o Estado de Direito. Sigamos.
Governadores tiram a calça pela cabeça
para pagar as contas. Para muitos deles, o teto de gastos já existe há muito
tempo. Mas não conseguem, em seus respectivos Estados, a colaboração de Justiça
e Ministério Público no controle de gastos, ainda que tenham maioria nas Assembléias
Legislativas. Sim, senhores! Políticos de pelam de medo de uma ação de…
improbidade administrativa. Mendes se referia a isso.
“Ah, mas ele falou de forma genérica,
não especificou…” Pode-se fazer tal crítica? Vá lá. Mas os doutores da tal
“Frentas”, ora vejam, querem pegar a fala que compõe a exposição de um voto
para acusar seu autor de crime. Aí não dá!
Fico cá me perguntando se essa reação a
Mendes não está contaminada por outras questões, como a sua oposição, por
exemplo, ao reajuste de salários dessas categorias. O ministro não acusou a
categoria dos juízes e a categoria dos procuradores de chantagear políticos. De
resto, essas associações não podem se colocar como censoras da fala de um juiz
do TSE.
Para encerrar: não faz tempo, vimos o
ministro Ricardo Lewandowski fatiar a Constituição a céu aberto. Pensei: “Agora
os juízes e procuradores reagem!”
Não se ouviu palavra. Lewandowski é
sempre muito receptivo às demandas dessas categorias.
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