Na Câmara, o elenco de
passageiros do Código Penal é amplo. Dos oito presidentes da Casa nos últimos
13 anos, cinco estão ou estiveram nessa categoria
Por Augusto
Nunes, 07/11/2016,
www.veja.com.br
Texto de Dora Kramer publicado no Estadão
A posição da maioria dos ministros do Supremo
Tribunal Federal de proibir que réus em ações penais ocupem a Presidência da
República em substituição ao titular e/ou ao vice vai muito além do hipotético
efeito imediato sobre Renan Calheiros, atual presidente do Senado, e os
presidentes da Câmara e do STF, um dos possíveis ocupantes temporários da
chefia da Nação.
A decisão é da maior relevância, pois forçosamente
mudará a dinâmica da escolha do comando no Congresso. A menos que suas
excelências queiram correr o risco de passar de novo pelo episódio do
afastamento de um presidente. Prejuízo a ser compartilhado por todos. Fichas
sujas ou limpas.
Embora um dos inquéritos dos 11 que existem no
Supremo contra Calheiros esteja pronto para entrar em pauta e ainda possa ser
votado até o término do mandato dele em 1.º de fevereiro próximo, mesmo que o
senador venha a se tornar réu nessa ação, para que ocorresse o afastamento da
presidência seria necessário antes completar a votação interrompida na sessão
de quinta-feira pelo pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Não há data para
o retorno à pauta.
Além disso, dos quase três meses que faltam para
Calheiros encerrar seu período à frente do Senado há de se descontar os 30 dias
de recesso do Judiciário, entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. Na ocasião, o
Legislativo ainda terá 11 dias pela frente para retomar suas atividades. De
todo modo, se ninguém mudar o voto, a questão está decidida. Ainda que Toffoli,
Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia votem contra, o resultado
final seria 6 a 4. Luiz Roberto Barroso declarou-se impedido de participar do
julgamento.
Portanto, do afastamento, Renan Calheiros em
princípio parece a salvo, apesar de não se poder dizer o mesmo a respeito da
dezena de acusações que pesam sobre o senador. Mas, algo se moveu. Deputados e
senadores terão agora de levar em conta a folha corrida de seus líderes.
Preceito óbvio, mas nunca observado, como demonstrado pela eleição de Calheiros
depois de ter sido obrigado a renunciar à presidência do Senado justamente em
decorrência da ação que está pronta para ser julgada, na qual ele é acusado de
peculato, falsidade ideológica e uso de documentos falsos.
Na Câmara, o elenco de passageiros do Código Penal
é amplo. Dos oito presidentes da Casa nos últimos 13 anos, cinco estão ou
estiveram nessa categoria. João Paulo Cunha terminou preso; Severino Cavalcanti
foi obrigado a renunciar por ter recebido propina do concessionário do
restaurante da Câmara; Marco Maia é alvo de inquérito no âmbito da Lava Jato,
por corrupção; Henrique Alves é investigado pela Procuradoria-Geral da
República por lavagem de direito e evasão de divisas e tornou-se réu na Justiça
Federal de Brasília por suspeita de cobrar e receber propina de empresas
interessadas em empréstimos do fundo de investimentos do FGTS; Eduardo Cunha,
como se sabe, passa temporada em Curitiba atrás das grades.
Em um Parlamento em que se contam às centenas os
políticos em algum tipo de contas a prestar na Justiça – ao ponto de, no caso
dos deputados, ser possível fazer uma lista em ordem alfabética – o
pré-requisito da vida pregressa em ordem passa a prevalecer sobre o critério do
compadrio, do corporativismo, do favorecimento e/ou do “recado” que o
Legislativo porventura queira dar ao Executivo, conforme ocorreu com Cunha e
Severino.
A má notícia é que decisões de natureza legal nem
sempre servem para conter o impulso (eleitoralmente) suicida de parlamentares.
A expectativa de boa nova é que se cair a “ficha” da maioria mal acostumada,
outras centenas de deputados e senadores cujas fichas permanecem limpas
voltarão a ter alguma chance de cumprir um papel relevante no Poder
Legislativo, a representação (goste-se ou não) do povo.
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