O país estará sujeito à instabilidade enquanto o líder do gangsterismo
de Estado estiver solto
Por Augusto
Nunes, 20/11/2016,
www.veja.com.br
Texto de Valentina de Botas
Duzentos mil? Não pagam um anel de Adriana Ancelmo
da Van Cleef & Arpels pago pela espoliada população carioca. Mês
retrasado, num encontro informal pelo meu aniversário, meus amigos – uns lindos
– disseram que eu estava mais magra (não estou). Vocês acham? Claro, você está
ótima. Ah, mas quero perder os imperdíveis 3 quilos, mais difícil do que perder
10. E perguntaram o que eu faria se ganhasse um prêmio da loteria. Trabalharia,
porque talvez um delicioso prazer seja fazer alguma coisa de que se goste – e
gosto muito do meu trabalho – sem a pressão da necessidade. Um desejo de garras
aparadas sabe assim? Sem a brutalidade do caráter de necessidade que todo
querer assume quando coloniza nosso coração. Fácil lidar com ele desse jeito.
Já aquele em estado puro, instituído pela falta – desejo o que não tenho –, é
que nos desafia, exige da nossa alma que é carne aquela paciência que só se
constata nos ossos.
Juízes, alguns que chegam a receber duzentos mil
por mês de salário, quase cinco vezes o teto estabelecido por lei, patrocinam a
tese de que discutir o cumprimento dessa lei é uma retaliação de Renan 12
processos Calheiros. O presidente do Senado não teria moral ou estaria
retaliando o Judiciário porque… por quê? Porque o personagem emblemático do descumprimento
da lei tem processos que esse mesmo judiciário não julga nunca. Ora, não eram
essas as mesmas razões brandidas contra o impeachment quando Eduardo Cunha,
como presidente da Câmara, recepcionou o respectivo processo? Eram. Não, Cunha
não tinha moral; sim, era uma retaliação dele. E daí? Também a ré Gleisi
Hoffmann disse que o Congresso não tem moral para julgar a presidente.
Nada disso anula as obrigações institucionais dos
envolvidos estabelecidas em lei cujo descumprimento por uma picada aberta pela
imoralidade de quem a aplica é que desestabilizaria um país. Ah, mas não é
hora. Sei. Um país onde lei tem hora permanecerá nesse teorema insolúvel em que
iniqüidades mútuas ensejam impunidades recíprocas.
Baderneiros que vandalizam e depredam a UnB a transformaram
no QG da resistência à PEC 241. Não apenas está cassado o direito dos
estudantes que querem estudar e dos professores que querem trabalhar, mas
também processos administrativos importantes como a avaliação de concessão de
bolsas estão parados porque invasores acham que podem agir segundo as leis do
próprio desejo e solidificam a certeza de que, no Brasil, não precisa estudar
para ser estudante.
No outro extremo da cretinice ideológica, uma
choldra ignorante que confundiu a bandeira do Japão com um símbolo comunista
invadiu a Câmara Federal, invocando o nome do juiz Sérgio Moro e um general
redentor, sem diferenciar o estado de direito democrático que um representa e a
abolição desse mesmo estado que o outro estabelece. A CUT e congêneres, que sustentaram
a pilhagem contra o Estado do Rio, invadiram a Alerj para protestar contra o
pacote que tenta lidar com as conseqüências avassaladoras da pilhagem. Michel
Temer tem de saber que instabilidade é essa topografia.
Foi a um jantar organizado por correligionários na
campanha para a Câmara Federal e, então, ele a vê. Ela estava com a mãe. Ele se
elege, ela o felicita enviando-lhe um cartão que foi para o endereço errado que
– ah, destino, seu danado! – só por isso o alcançou. Ele telefona para agradecer.
Em sete meses se casariam. Isso que é objetividade, e se é amor, invade e fim.
Ouvimos essa história de amor, encantadora e brega
como toda história de amor que preste, da boca do próprio presidente da
república no Roda Viva. Sei que já faz tempo, que estou atrasada e tal, mas, se
a pressa é inimiga da perfeição, consigo ser lenta sem ser perfeita e estava
ocupada procurando meu CD do Leonard Cohen de que só achei a capa. Michel Temer
contava como conheceu a bela e recatada Marcela para fazê-la do lar.
Apresentou-se na entrevista cordato, bem-humorado,
sem metáforas ou comparações disparatadas, em frases nas quais semântica e
sintaxe se encontravam sem trombadas. Quanto à flor do Lácio, não chegou a ser
o esplendor, mas também não foi sepultura. Pode ser muito para um país que há
apenas 6 meses era aviltado também pelo dilmês.
Só que muito não é o suficiente para um país
sedento por lei, por ver na cadeia ladrões e o chefe deles que, livre, continua
nos roubando a institucionalidade e esfregando isso na nossa cara quando
desacata Sérgio Moro e difama o país. Com a declaração de Temer, Lula vai
acabar fugindo: fugirá para o Brasil, o estranho país onde lei tem hora. Que se
cumpra a lei: quando lhe foi perguntado sobre a prisão de Lula, o presidente
poderia ter usado essas cinco palavras para saudar o Brasil que referendou
simbolicamente o impeachment nas urnas. Mas o presidente preferiu saudar os
truculentos pastores da vigarice que ameaçam convulsionar o país caso o líder
deles seja preso.
O blefe dos incapazes capazes de tudo por boquinhas
e tetas vem desde pouco antes da instauração do processo de impeachment e tudo
o que vimos foi um bando de mortadelas desfalcado incendiar pneus e avermelhar
uma avenida ou outra do país quase sempre terminando em vandalismo, além de
artistas-e-intelectuais entoarem o mantra infértil do golpe.
Milhões foram às ruas, de forma tão pacífica quanto
resoluta, exigir o cumprimento da lei com a destituição de Dilma Rousseff que a
descumpria; rejeitamos radicalismos e vandalismo; apoiamos a posse de Temer
porque representava o remédio constitucional e a normalidade institucional num
país exaurido por 13 anos de governos à margem da lei, num enraizado governo de
gângsteres. O mínimo que merecíamos é que o presidente invocasse o cumprimento
da lei, não precisava nem dizer se era contra ou a favor da prisão. Mas o
comandante em chefe das Forças Armadas, a quem a Constituição reconhece
instrumentos e a obrigação de zelar pela estabilidade nacional, receia por ela.
Por algo mais?
O respaldo e as expectativas dos milhões de
brasileiros decentes que não mereciam ouvir isso não contam, conta o bando a
quem basta cortar o financiamento da mortadela e da boa vida. O país estará
sujeito à instabilidade enquanto o líder do gangsterismo de Estado estiver
solto inspirando o vale-tudo em nome de uma porcaria qualquer apelidada de
progressista ou resistência; a liberdade dele inspira instabilidade, infla os
desejos das hordas radicais que os colocam acima da lei.
Desejo perder 3 quilos e achar o CD do Cohen,
desejo que o amor invada e fim. E que a lei se cumpra, está na hora.
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