Decisão tem impacto direto nas delações da Operação Lava-Jato. Delatores
como Marcelo Odebrecht poderiam interromper colaboração com a justiça
Por Laryssa Borges, 05/10/2016,
www.veja.com.br
Na carceragem de Curitiba e de Pinhais, onde estão
detidos empreiteiros e empresários enrolados na Operação Lava-Jato, e nas
principais bancas de criminalistas do país, todas as atenções se voltavam nesta
quarta-feira para o Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. A corte se
preparava para julgar dois processos que poderiam acabar de vez com a sensação
de que corruptos poderosos e endinheirados possuem verdadeiros passaportes para
a impunidade. Com dinheiro suficiente para pagar bons advogados, eles criavam
na prática “quatro instâncias” para recorrer em liberdade – juízo de primeiro
grau, Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal
de Justiça e o próprio STF. Na prática, raramente cumpriam pena.
Os detentos do petrolão tinham especial interesse
no veredicto de hoje. Se a indústria dos recursos eternos fosse mantida,
poderiam ser interrompidos os acordos de delação premiada que revelariam ainda
mais detalhes do esquema de corrupção instalado na Petrobras. Com a perspectiva
de só terem de enfrentar realmente os riscos de cadeia dentro de anos,
empreiteiros como Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro se calariam. Manteriam a
tradicional omertà.
Nesta quarta-feira, porém, o desejo dos poderosos
do petrolão não se confirmou. O Supremo confirmou por apertados seis votos a
cinco, que a execução das penalidades pode ser feita já na segunda instância,
sem depender do chamado trânsito em julgado. No julgamento no STF, o ministro
Luiz Fux resumiu: “Estamos discutindo isso porque no Brasil as condenações são
postergadas com recursos aventureiros, por força de recursos impeditivos do
trânsito em julgado”.
Entre os magistrados, um exemplo recorrente de
impunidade: o jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, condenado pelo
assassinato da ex-namorada Sandra Gomide, no ano 2000, passou 11 anos solto.
Pimenta era réu confesso, mas só foi preso em 2011. Neste ano passou para o
regime aberto.
Do plenário, os ministros mandaram um recado claro
contra a impunidade dos poderosos, que contam com o conceito elástico de
presunção de inocência para nunca expiar culpa atrás das grades. “O sistema
brasileiro hoje frustra na maior medida possível o senso de justiça de qualquer
pessoa. Um sistema de justiça desacreditado pela sociedade aumenta a
criminalidade, não serve para o Judiciário, não serve para a sociedade, não
serve para ninguém”, disse o ministro Luis Roberto Barroso ao falar sobre a
dificuldade de levar criminosos poderosos efetivamente para trás das grades.
“Por ser um princípio e não uma regra, a presunção de inocência é ponderada e
ponderável com a efetividade do sistema penal, que é um valor que protege a
vida das pessoas para não serem assassinadas, protege a integridade física,
protege a integridade patrimonial”, continuou. “[Sem a prisão em segunda instância]
O sistema brasileiro não era garantista. Era grosseiramente injusto”.
Entre os ministros que consideraram que a prisão já
em segunda instância é possível, prevaleceu o entendimento que o trecho da
Constituição que trata de prisão é o inciso 61 do artigo 5º: “Ninguém será
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei”.
“Depois da segunda instância, sobe o interesse do
sistema de fazer aplicar a norma penal. Depois do segundo grau, o peso da
presunção da inocência fica mais leve e menos relevante em contraste com o
interesse estatal”, afirmou Barroso. Em fevereiro, por sete votos a quatro, o
STF havia entendido que a segunda instância é a última que analisa provas de
materialidade e autoria e, por isso, a pena já poderia ser executada.
Desde a retomada do tema à discussão, advogados
articularam uma proposta alternativa: a de que a execução da pena possa ocorrer
após o julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A iniciativa significaria que um tribunal superior teria confirmado a
condenação do réu, mas apenas os ministros Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli –
que mudou o entendimento pessoal desde fevereiro – consideraram a hipótese.
Também votaram contra a execução da pena em segundo grau os ministros Ricardo
Lewandowski, Rosa Weber e Celso de Mello. Hoje, o decano criticou o que
chamou de “pragmatismo de ordem penal” e disse que o STF deve assegurar o
direito fundamental de um acusado ser presumido inocente até que se sobreponha
sentença condenatória transitada em julgado. “A majestade da Constituição
Federal não pode ser violada pela potestade do Estado”, afirmou.
Ao longo de toda a discussão, foram repisados por
advogados argumentos que suspeitos podres seriam os principais prejudicados e
ampliariam ainda mais a situação de caos do sistema penitenciário brasileiro.
Teori Zavascki rechaçou de pronto a tese. Segundo ele, é improvável que
condenados menos abastados entupam a justiça de recursos, além de ser
necessário considerar que todos os recursos deles fossem aceitos e, ao fim,
eles fossem declarados inocentes. “É absolutamente desprovido de base real que
a improcedência da ADC [ação declaratória de constitucionalidade julgada hoje]
iria acarretar injusto encarceramento de dezenas de milhares de condenados,
notadamente pessoas humildes defendidas pela Defensoria Pública. Isso parte da
premissa que tem recursos e que recursos serão acolhidos e que todos eles são
inocentes”, disse.
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