É pavoroso o crime de omissão de
sucessivos governos no cenário natural mais belo do mundo
Por Ruth de
Aquino, 29/07/2016,
Esses apartamentos inacabados na Vila Olímpica não
são nada para mim. Nada, diante da grande vergonha, de dimensões planetárias,
que é a catástrofe ambiental do Rio de Janeiro. É pavoroso o crime de omissão
(e provável desvio de verba) de sucessivos governos estaduais no cenário
natural mais belo e majestoso do mundo. Pelo menos o crime está sendo exposto
para o mundo. Viva a Olimpíada!
Além de carioca, sou militante desta Cidade
Maravilhosa, nasci em Copacabana quando “arrastão” nada mais era que pescadores
chegando com suas redes à areia coalhada de conchas e tatuís, peixes brilhando
ao sol, águas cristalinas. Quando o Rio de Janeiro foi escolhido sede dos
Jogos, em 2009, concorrendo com Madri, Tóquio e Chicago, vibrei. Era o momento
de investir com seriedade. A adesão do povo foi impressionante: 85% queriam
muito que o Rio fosse escolhido. Ingenuidade? Otimismo? Uma pesquisa da revista
Forbes com 10 mil pessoas em 20 países acabava de eleger o Rio como “a
cidade mais feliz do mundo”.
Meu artigo, há sete anos, parafraseava Barack Obama
no título: “Sim, nós podemos”. Escrevi que cobraríamos o cumprimento de
promessas porque estávamos “cansados de testemunhar falcatruas e projetos
megalomaníacos que enchem os bolsos de políticos e são inúteis para a
população”. Confiava em “uma virada” se houvesse “planejamento e responsabilidade”.
Nesse balneário com vistas de tirar o fôlego e
clima ameno, havia três desafios a ser confrontados com a garra de atletas que
buscam o ouro no pódio: a despoluição da Baía de Guanabara, a segurança pública
e a infraestrutura urbana, com transporte adequado. Sabíamos como Barcelona
havia aproveitado a oportunidade para se tornar um pólo internacional de
turismo. Por que não o Rio?
Até o prefeito Eduardo Paes me contradiz agora.
Para o jornal inglês The Guardian, ele disse que “sim, nós perdemos”.
“Esta [Olimpíada] é uma oportunidade perdida para o Brasil. Não estamos nos
apresentando bem. Com todas essas crises econômicas e políticas, com todos
esses escândalos, não é o melhor momento para estar nos olhos do mundo”,
comentou, mas também reclamou de exagero nas críticas. “Isso me deixa louco. Se
você ler os meios de comunicação internacionais, parece que tudo aqui é zika e
pessoas atirando umas nas outras.”
Torcemos para a Olimpíada dar
certo, em paz, sem ataques terroristas, sem assaltos a delegações e turistas,
sem mortes de inocentes. E que sejam contornáveis os problemas na organização. Já nem são
medalhas a nossa prioridade.
Um legado da Olimpíada talvez seja o reconhecimento
de nosso vexame maior: as águas imundas e poluídas do Rio. Especialistas em saúde
deram aos nadadores e velejadores um conselho. Fiquem de boca fechada para
evitar doenças com dejetos, lixo, bactérias, rotavírus. “Os atletas
estrangeiros estarão literalmente nadando em m... humana e correm o risco de
adoecer por conta de todos aqueles micro-organismos”, disse ao jornal The
New York Times Daniel Becker, pediatra carioca.
No ano passado, almocei com o governador Pezão e
mencionei o fracasso de seu compromisso de despoluir a Baía até a Olimpíada.
“Ruth, isso também é exagero do pessoal. Têm uns sacos boiando, uns pneus... a
gente vai conseguir limpar.” Em 2014, ele dizia que a meta era ter 80% do
esgoto tratado. Mas empurrou a meta com a barriga. Nas águas da Baía, há geladeiras, sofás, resíduos químicos de fábricas,
óleo dos petroleiros. E, volta e meia, cadáveres.
Só pode ser gozação chamar de “eco barco” aquele
troço que faz papel de Comlurb na Baía de Guanabara, retirando toneladas de
“lixo flutuante”. “Ecoboat” e eco barreira não são nem paliativos. A 11 dias
dos Jogos, foi retirada uma geladeira da água. Lars Grael, medalhista olímpico
nas Olimpíadas de Seul e de Atlanta, disse que será “uma competição de vela com
obstáculos”. Seu diagnóstico, em dia sem chuva: “Bastante sujeira, muito óleo
na superfície e detritos. Plásticos, latas, engradados. Imagina, em plena
regata, essa quantidade de lixo prendendo no casco da embarcação”.
Não foi por falta de planos bilionários ou de
doações internacionais. Até ajuda do Japão o Rio já teve. As instalações de
tratamento de esgoto são abandonadas ou sofrem vandalismo. As bombas param de
funcionar e fica tudo por isso mesmo. Foi é por falta de vergonha.
Muita gente culpa “o brasileiro”, esse povo sem
cultura ambiental. É verdade. Mesmo brasileiro com doutorado não sabe cuidar do
lixo ou sai emporcalhando as praias. Mas
o buraco é muito mais embaixo. Mais de 100 milhões de brasileiros não têm
saneamento básico. Metade da população do país não tem coleta de esgoto! Depois
da Olimpíada, talvez mude a cultura ambiental. É só a gente não ficar de boca
fechada.
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