No comando do primeiro gabinete
da Justiça Federal a conquistar o certificado ISO 9001, o juiz gaúcho defende
controle de qualidade no Judiciário
Por Cláudio
Goldberg Rabin, 03/02/2017,
www.veja.cm.br
Juiz federal
do TRF4 diz que o Judiciário não quer perder o tratamento 'diferenciado'
O desembargador gaúcho Jorge Antônio Maurique foi o
primeiro juiz de Tribunal Regional Federal a obter para o gabinete o
certificado internacional de gestão ISO 9001. Com 29 anos de carreira, Maurique
buscou na padronização de procedimentos uma forma de dar clareza e celeridade
aos processos. Para o juiz de 56 anos, o Judiciário é lento e perde tempo
demais com formalidades. Muitos juízes não gostam de avaliações externas e recebem
qualquer crítica como uma afronta pessoal, diz. Decidido a combater a pecha da
morosidade, Maurique atacou o mal com método: criou metas, padronizou processos
e estabeleceu prazos para os julgamentos. “Hoje, 90% dos processos recebidos no
gabinete são julgados em no máximo quatro meses”, disse. Em entrevista por
telefone a VEJA, o desembargador do Tribunal Federal da 4ª Região conta como
foi o processo, analisa como o Judiciário pode melhorar e fala da morte do
ministro do STF Teori Zavascki, de quem foi colega.
Quanto o Judiciário brasileiro perde com a morte de
Teori?
Muito. Ele era técnico, falava pouco e era
discreto. Além disso, era um profundo conhecedor do Direito. Seus votos eram
concisos e ao mesmo tempo profundos: em vez ficar citando juridiquês de cima a
baixo, ele ia direto ao ponto. Não é sempre que a gente encontra juízes do
gabarito dele. Era muito trabalhador e não se deixava se levar por paixão. Era
uma referência para todos nós. Ele só se alterava um pouco quando o assunto era
o Grêmio.
De onde veio o desejo de implantar o ISO 9001 no
seu gabinete?
Não adianta dar uma excelente decisão depois de
muito tempo, porque a parte quer uma solução para a vida dela. Nas varas por
onde trabalhei sempre me preocupei com eficiência, com prazos rápidos e com um
julgamento que fosse claro para que as pessoas entendessem o que nos levou
àquela decisão. Sempre insisti para que quem chegasse ao balcão da vara saísse
de lá com uma resposta. Quando fui promovido a desembargador em 2012, reuni a
equipe do gabinete e disse que primeiro iríamos atacar os processos mais
antigos. Eu tinha processos de 2006. Quando chegamos ao ponto de trabalhar com
os processos de no máximo um ano, decidimos certificar essa excelência para
fazer um controle de qualidade do trabalho. Então, procurei informação sobre o
ISO 9001 com o departamento de planejamento do tribunal.
E como foi o processo?
Todos nós recebemos treinamento sobre a necessidade
de obter a certificação e começamos a fazer o que a norma exige, que é uma
padronização de procedimentos. Quando recebo uma apelação em determinada área,
há uma seqüência a ser seguida. E faz-se sempre o mesmo: verificamos se a outra
parte foi intimada, se ela apresentou contra-razões, se tem advogado ou não,
etc. É como o checklist que os pilotos fazem antes da decolagem, mas
para cada tipo de ação. O olhar diferente deve ser dado na hora da decisão, mas
até lá deve-se seguir uma série de normas-padrão. Isso acelera os resultados.
Quanto tempo demorou?
Foi cerca de um ano. Recebemos o treinamento, fomos
submetidos a uma auditoria interna, que faz o checklist com apoio de
todos os funcionários já treinados e consertou o que ainda não estava de acordo
com os padrões da norma. Depois, chama-se um auditor externo, que só presta
contas para o ISO, que checou se realmente estávamos atendendo a todos os
requisitos. Daqui a dois anos, vou sofrer uma nova auditoria para saber o que
melhorou desde a última avaliação. Se nada mudou ou ficou igual, posso perder a
certificação, pois ela pede uma melhoria contínua.
Quanto custou?
Eu precisava justificar para o tribunal os 14 mil
reais que gastei na contratação da auditoria. Estipulamos como objetivo que 90%
dos processos recebidos no gabinete deveriam ser julgados em no máximo quatro
meses. Além disso, a norma estabelece que as pessoas conheçam nosso trabalho,
que sejam bem-atendidas e tenham direito a uma duração razoável do processo. E
o auditor vai conferir se estou cumprindo isso ou se é só discurso.
Houve resistência no meio jurídico?
No começo houve uma resistência interna dos
funcionários do gabinete, na linha ‘sempre fiz assim e não quero mudar’. Mas
começamos a fazer reuniões para mostrar os benefícios da norma. No âmbito
externo, não teve resistência.
Mas há tribunais que são refratários à
modernização, não?
Tem tribunal que é muito refratário a mudanças,
porque avalia que está fazendo um bom trabalho e não consegue ouvir o outro
lado. Há pouco diálogo com os advogados, com o Ministério Público e com os
próprios colegas. Então há juiz que acha que está tudo ótimo, mas tem processos
parados há 10 anos.
É difícil para um juiz se submeter a avaliações
externas?
É… Juiz nenhum gosta. É difícil de aceitar que
venha alguém que não é da área do Direito te avaliar. Mas não é uma avaliação
de conteúdo e sim de procedimentos.
Isso mexe com o ego do juiz?
Sem dúvida. Nós, juízes, temos uma proteção muito
grande. Se eu julgar A, B ou C, isso não vai me ocasionar nenhuma represália.
Essa rede de proteção é fundamental para um bom trabalho, mas às vezes somos
tão protegidos que nosso ego cresce demais. Sempre que o Judiciário sofre uma
crítica, dizem que estão afrontando a sua independência. O Judiciário tem que
receber críticas que sejam fundamentadas, porque isso faz parte da democracia.
Esse isolamento do Judiciário não é combatido?
É uma luta constante para afastar essa idéia. Mas
alguns colegas, em alguns locais, acham que tem direito a uma relação
diferenciada. Quando eu era presidente da Ajufes (Associação dos Juízes
Federais do Brasil), recebi uma demanda de um colega querendo que todos os
juízes federais tivessem passaporte diplomático. É uma mentalidade ruim, mas
está sendo duramente combatida.
Por que a Justiça é tão lenta no Brasil?
Há fatores externos, como o tratamento diferente
que é dado ao Poder Público, o que termina atrasando nosso trabalho. Mas a
maior parte da culpa é mesmo do Judiciário, porque não estabelece metas, não
tem métodos uniformes de julgamento e se acostumou a não ser cobrado. Existem
exceções, claro, mas muitas vezes o próprio o Judiciário fica se perdendo em
discussões inúteis com as partes.
Afinal, o que tanto trava a Justiça brasileira?
É um pouco da nossa herança lusitana de muita
formalidade. Outra coisa é a legislação, historicamente ruim. A última reforma
do Código de Processo Civil, o que entrou em vigor ano passado, agravou a
morosidade. Por exemplo, antes a gente contava os prazos em dias corridos;
agora, são em dias úteis.
O que o Judiciário precisa fazer ganhar celeridade?
Todos os juízes e funcionários têm que encarar a
sua função como um serviço a ser prestado para o público, ou seja, a quem o
paga. Por isso, tem que atender bem e prestar um bom serviço que tenha a melhor
qualidade possível. Essa mentalidade do ‘passei no concurso e agora vou levar o
emprego do meu jeito’ precisa acabar. O profissional tem que encarar a função
como um serviço a ser avaliado para quem foi prestado, o público. O Judiciário
tem que se adaptar aos tempos de crise, tem que gastar com melhor qualidade,
tentar economizar, planejar melhor as atividades. Ainda há muita resistência –
ninguém quer perder o tratamento diferenciado –, mas é necessário.
Comentários
Roberto
Que todos do Judiciário venham a pensar e agir como este Juiz
exemplar!
Fernando Santos
Não foi apenas o judiciário, foram os “3 poderes”
brasileiros. Com o tempo e total omissão de quem deveria ficar atento a isto
como OAB, CNJ e outros, nossos “poderes” foram se tornando monstros
corporativos que via de regra defende somente seus interesses, além de criarem
toda sorte de mordomias indevidas, salários totalmente fora da realidade do país
e ainda prestarem um serviço muito aquém das necessidades dos contribuintes que
na realidade são seus patrões, mas são tratados como “escravos” que servem
apenas para bancar o sustento de suas boas vidinhas com os impostos mais
absurdos do mundo civilizado. Há exceções aqui e ali, é claro, mas não são a
regra.
Oxx
É apenas mais uma jogada de “marketing”, em um universo de
juízes que trabalham pouco (ou quase nada), recebem fortunas em penduricalhos
além de um salário ofensivo para os padrões brasileiros. As associações de
magistrados servem para defender interesses corporativos e impetrar processos
inventados para conseguir vantagens financeiras que eles sempre dizem ser
“indenização”, para não pagar imposto de renda. Recebem auxílio-moradia de
quase 5.000 reais mensais, mesmo a maioria que ora em mansões e condomínios
fechados fora dos grandes centros. Recebem auxílio-substituição para assinar
alguns papéis de um colega que não pode ir trabalhar, mesmo que essa
substituição seja na sala ao lado. Essas e outras mordomias sustentam o mercado
de carros de luxo, de imóveis suntuosos e como retorno têm-se uma prestação
jurisdicional de péssima qualidade. Além disso, o tal Conselho Nacional de
Justiça é uma piada, pois seus membros são os próprios juízes que ficam lá em
Brasília, por dois anos, recebendo diárias escorchantes, hotéis de luxo, carro
à disposição e, obviamente, ninguém quererá se indispor com os colegas, pois
após dois anos estará de volta ao seu lugar antigo.
Freitas Luiz
Alguém que tem 90 dias de férias e ainda chega ao trabalho
atrasado sai mais cedo e ainda fica horas no telefone falando com o amigo e amiga
sobre suas férias no Egito, seu final de semana, etc. isto tudo na frente de
quem te paga, sem constrangimento. Além de tudo isto a sua remuneração o limite
é céu, mais uma vez sem constrangimentos. Isto é uma vergonha.
Marcos
“Por que a Justiça é tão lenta no Brasil?” Vamos entender a
pergunta sob um prisma diferente: se você tem um funcionário lento ele é…
preguiçoso! Logo, o correto seria “Por que os juízes são tão lentos no
Brasil?”. Pois, a tal dona Justiça não é alguém, ela é formada por homens!
Marco Águila
Parabéns
pela atitude e mentalidade, Meritíssimo. Mas não é só o Judiciário q tem essa
atitude. Toda a “casta” do funcionalismo público (salvo raríssimas exceções) se
considera intocável.
Fabrício Carlo Giuseppe
Bianchi
Vem para o Rio de Janeiro e conviver com seus AMIGOS da toga
preta e sagrada as delícias dos privilégios que desfrutam. Que delícia! !!!
Fabio Sanches orbite
É isso que o Brasil precisa! O Excelentíssimo Dr. Sylvio
Sirangelo é um exemplo para o Judiciário do nosso país.
Housekeeping
Teria que começar pelo STF, não fazem nada para evoluir ser
mais célere
Robert
Pois é… O problema do governo, dos três poderes, é meramente
administrativo. O governo não sabe administrar nada.
Julio Rodrigues Neto
JURIDIQUÊS. Exatamente isto, que vemos, quando assistimos TV
Justiça.
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