Por Reinaldo Azevedo, 04/08/2015,
www.veja.com.br
Se não houver uma alteração de última
hora, o programa político do PT vai ao ar depois de amanhã, dia 6, com a
presidente Dilma e o partido estreitando-se, como na poesia, num abraço insano,
em horário nobre. O país deve ouvir, então, o maior panelaço-apitaço da
história, numa espécie de avant-première dos protestos do dia 16 de agosto. Se
o governo achava que, com Eduardo Cunha (PMDB-RJ) contra as cordas, teria
alguma folga, então é porque ignora a dinâmica da realidade.
A prisão de José Dirceu, agora pela
atuação no escândalo do petrolão, faz a crise atingir um novo patamar e, mais
uma vez, a exemplo do mensalão, bate à porta de Lula. Nem tanto porque os dois
fossem íntimos - os que, a bem da verdade, nunca foram —, mas porque ambos
sempre ocuparam posições de mando, formais ou informais, na organização que
lhes garante o poder: o PT.
E há mais estragos à vista. Marlus
Arns, o novo advogado constituído por Renato Duque, homem do partido na
Petrobras, negocia os termos de sua delação premiada. Seus outros defensores,
por discordarem do procedimento, abandonaram a causa. Tido habitualmente como
homem de Dirceu na Petrobras, é evidente que todos reconhecem nessa
qualificação de Duque só um modo de dizer. Dirceu não dispunha um exército
privado na legenda. Os “seus homens” eram os “homens do PT”. Ainda que possa
ter usado as posições de mando ou de influência para obter benefícios pessoais,
todos reconheciam nele uma personagem a serviço de uma causa.
E essa “causa”, obviamente, tinha um
chefe: Luiz Inácio Lula da Silva. Imaginar que ele passará incólume também por
essa avalanche desafia o bom senso. A fala de Roberto Podval, defensor de Dirceu,
segundo quem seu cliente é um “bode expiatório”, pode traduzir um sentido muito
específico, intencional ou não: o ex-ministro não deixa de ser oferecido como
uma espécie de elemento ritual que purga todas as culpas do PT, inclusive as
que não são suas (do próprio Dirceu) — ou, vá lá, não são exclusivamente suas.
O ex-ministro não era o dono de um partido dentro do partido. Quem acredita
nisso?
Li em algum lugar que o juiz Sergio
Moro estaria espantado com a abrangência do esquema criminoso. Quem conhece a
forma com se organizou o PT e os seus valores não está, de modo nenhum,
espantado. Já a ousadia e o desassombro, ancorados na certeza da impunidade,
isso, sim, chama a atenção. Os dados da investigação que vêm à luz indicam que
o processo do mensalão, embora ocupasse o noticiário com força avassaladora,
não intimidou de nenhum modo a turma. Ao contrário: parece ter lhe excitado a
imaginação para descobrir caminhos novos para a falcatrua.
É evidente que a coisa toda assume uma
perspectiva que chega a ser apavorante. A promiscuidade entre políticos,
empreiteiros, lobistas e toda sorte de intermediários passou por uma devassa na
Petrobras e talvez seja esmiuçada na Eletrobrás, mas cabe a pergunta óbvia: há
alguma razão objetiva para que as coisas tenham se dado de maneira diversa nas
demais áreas do governo? A resposta é, obviamente, negativa. Se as personagens
eram as mesmas, se os mesmos eram os métodos, e se também não variava a forma
de ocupação dos cargos públicos, por que haveria de ser diferente?
O PT constituiu um estado dentro do
estado. O PT criou um governo dentro do governo. O PT governou outro Brasil
dentro do Brasil. O PT expropriou a população dos bens do seu país. O PT usou a
democracia para tentar solapá-la.
Nada escapou do governo paralelo. Milton
Pascowitch, por exemplo, que fez delação premiada, afirmou à Justiça ter
entregado na sede do PT, em São Paulo, R$ 10,532 milhões de propina em dinheiro
vivo. Desse total, R$ 10 milhões seriam relativos a um contrato da Engevix com
a Petrobras para construir cascos de oito plataformas do pré-sal. Os outros R$
532 mil seriam parte da propina em razão do contrato da empreiteira com o
governo para as obras de Belo Monte.
Vejam que coisa: pré-sal, Belo Monte,
refinarias da Petrobras… Eram os projetos nos quais se ancorava o discurso
ufanista do lulo-petismo, que sempre teve, sabemos, uma gerentona, que acabou
sendo vendida ao distinto púbico como a mãe dos brasileiros, a “Dilmãe”, não é
assim?
Os que imaginam que Dilma pode ficar
por aí — como Marina Silva, por exemplo — vão indagar onde está a digital da
presidente ordenando esta ou aquela falcatruas ou, ao menos, condescendendo com
elas. Se Dilma se ocupasse só uma função técnica no governo, talvez a gente
pudesse se contentar com o escopo apenas penal de sua atuação. Mas ela é uma
liderança política. Ocupa a Presidência da República e é, queira ou não,
produto dessa máquina corrupta que tomou conta do estado. Eleita e reeleita foi
sua beneficiária direta, uma vez que a estrutura criminosa financiava também o
processo eleitoral.
Se Lula não tem para onde correr, Dilma
tampouco tem onde se refugiar. Ocorre que, no momento, o país é, em parte,
refém das prerrogativas que detém a mandatária. Por isso mesmo, ela tem de
libertar o Brasil, ou o Brasil tem de se libertar dela.
Presidente é preciso
saber reconhecer o momento: acabou!
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