Com poucos ministros bons, governo Temer é frágil e quase afundou com o
último escândalo
Por Augusto
Nunes, 27/11/2016,
www.veja.com.br
Texto de Rolf Kuntz publicado no Estadão
Se o presidente Michel Temer for incapaz de cuidar
do próprio governo, poderá resgatar o Brasil da pior crise econômica em muitas
décadas, talvez a maior da História da República? Ele demorou perigosamente
para demitir o ministro Geddel Vieira Lima e liquidar o impasse mais grave, até
agora, de seu mandato. A demissão diminui o risco de avançar qualquer ação
legal contra o presidente, mas ele obviamente incorreu em alguns erros de
avaliação. Subestimou a importância política do escândalo, superestimou a
importância de um auxiliar perigoso e deu pouco peso à imagem de um governo
supostamente empenhado na recuperação dos padrões da administração. Pode-se
esperar, com algum otimismo, um efeito positivo do susto, mas qualquer correção
dependerá de um balanço realista dos erros cometidos no Palácio do Planalto.
Alguns são graves e, se repetidos, poderão comprometer os objetivos mais
importantes do governo.
Bom senso e competência são pelo menos tão
importantes quanto à moralidade, quando se trata de governar. Mesmo sem
roubalheira, a administração da presidente Dilma Rousseff teria enterrado o
País apenas por sua coleção de erros. Equívocos fatais podem ser técnicos ou
políticos. Há poucos dias o presidente Michel Temer foi acusado de uma bobagem
quase inimaginável: ter pressionado o ministro da Cultura, Marcelo Calero, em
favor do interesse do secretário de Governo, ministro Geddel Vieira Lima.
Verdadeira ou falsa, essa acusação foi a pior notícia da semana – mais
assustadora que a perda de 74.748 empregos formais em outubro ou que o
desperdício de 22,9 milhões de trabalhadores por desemprego ou subutilização.
Muito mais afetados que o Brasil pela crise de 2008, outros países voltaram a
crescer, já há alguns anos, com geração de postos de trabalho. Houve erros e
ainda há insegurança, mas em nenhum desses países o governo ficou tropeçando-nos
próprios pés.
O presidente Michel Temer talvez nunca tenha
cometido uma tolice tão grande quanto à citada na imprensa – a tal
interferência a favor de um interesse particular. Mas, apesar de sua fama de
astuto e prudente, deixou-se envolver num escândalo tão evitável quanto
grotesco, desperdiçando energia e capital político essenciais para a nova
estratégia econômica.
Nem seria preciso saber, para condená-lo, se o
ministro Vieira Lima de fato pressionou seu colega da Cultura para liberar a
construção de um edifício em Salvador. A mera conversa sobre um negócio
particular já seria, como ensinavam as mães em outros tempos, muito
inconveniente. Mas o presidente preferiu preservar seu secretário, considerado
indispensável, segundo os aliados, como articulador e negociador político. É
difícil, para quem vive fora das jogadas de Brasília, entender a importância de
um negociador capaz de expor o governo a uma situação tão constrangedora. Para
ser, apesar de tudo, indispensável, uma figura desse tipo deve ter talentos
extraordinários.
Também esse ponto é inquietante. Será tão difícil,
para o presidente Michel Temer, encontrar e recrutar negociadores competentes e
preocupados com o decoro? A qualidade de seu Ministério, desde a interinidade,
sempre foi preocupante. Com exceção de uns poucos nomes, na maior parte ligados
a assuntos econômicos, a equipe tropeçou desde o começo. Alguns ministros ainda
se notabilizaram por fazer declarações inconvenientes e, além disso, por
escolherem os piores momentos para se manifestar. Tentando aparecer em lances
individuais, logo evidenciaram a dificuldade do presidente para montar e
conduzir um jogo de equipe.
Como a agenda econômica é a mais complicada,
bastaria ao governo, conforme muitos devem ter imaginado uma equipe qualificada
para cuidar das contas públicas; da inflação, do investimento oficial e do
programa de reformas. Quem fez essa avaliação errou.
Todos esses temas envolvem muito mais que desafios
técnicos e administrativos. Muitas ações, como a criação de um teto para
despesa pública, dependem do Legislativo. Algumas, como a reforma da
Previdência e as mudanças trabalhistas, forçarão o governo a se entender também
com sindicatos e outras organizações. Qualquer reforma tributária mais ou menos
séria terá de passar por um difícil entendimento com os 27 governadores. Se o
governo cumprir com sucesso, até 2018, apenas uma parte dessa pauta, com
prioridade para a arrumação fiscal, terá realizado um belo trabalho e deixará
aberto o caminho para a etapa seguinte.
Para isso um apoio seguro no Parlamento é uma
necessidade evidente. Competência jurídica para evitar tropeços legais tem sido
e continuará sendo indispensável. Mas também é muito importante a presença de
um bom articulador político, no mínimo para garantir os votos necessários no
Congresso. Até agora, curiosamente, o político Michel Temer tem mostrado mais
discernimento na agenda econômica do que na avaliação dos desafios e riscos
políticos.
De toda forma, a semana terminou com duas notícias
positivas. Uma delas foi o afastamento, depois de um perigoso atraso, do
ministro Geddel Vieira Lima. A outra foi à edição da Medida Provisória (MP)
752/2016, para reativação do programa de concessões. Polêmica em alguns pontos,
a MP abre espaço para a renovação antecipada de algumas concessões na área de
transportes e para a relicitação de outras. Houve críticas e o governo terá de
enfrentar a resistência de concessionários encrencados. Mas foi consumado o lance
inicial para reativação do programa de infra-estrutura, e esse é um dado
animador.
Se der tudo certo, disso poderá surgir o empurrão
inicial para a retomada do investimento e a reanimação da economia, depois de
uma longa e profunda recessão. Além disso, os cidadãos têm o direito de esperar
um presidente, a partir de agora, menos leniente em suas avaliações políticas.