Não quero ser e não vou ser irresponsável — já há irresponsabilidade de
sobra nessa história —, mas não dá para ignorar que Miriam Dutra rompe o
silêncio no momento em que Lula, a figura icônica do PT, agoniza em praça
pública. O roteiro é óbvio demais, e a rede petralha está assanhada o bastante
para que se descarte que há alguma mão balançando esse berço.
Por Reinaldo Azevedo, 18/02/2016,
www.veja.com.br
“Pra que
tanta Miriam, meu Deus?”, pergunta o meu coração, desde já pedindo escusas às
Mirians que são minhas amigas, e eu as tenho: profissionais competentes,
mulheres que trabalham, que se respeitam e respeitam seus respectivos amigos e
familiares. Mas é claro que não dá para ignorar as coincidências que, ao se
estenderem até ao nome de duas mulheres, só ressaltam os aspectos farsescos da
narrativa.
Vinte e sete anos depois de a “Miriam de Lula”, a
Cordeiro, ter ido ao horário eleitoral de Collor para denunciar a suposta
desídia do então presidenciável petista com uma filha, que, acusou ela, o pai
queria que fosse abortada, eis que vem a público a “Miriam de FHC”, a Dutra. E,
curiosamente, usa arma idêntica, indo um pouco além.
Também FHC a teria pressionado a abortar um filho,
que, mais tarde, após a morte de Ruth Cardoso, o já ex-presidente assumiu
legalmente, embora dois exames de DNA tenham demonstrado posteriormente, para
surpresa de muita gente e certamente sua, que não era ele o pai. Em entrevista
à Folha, Miriam Dutra diz que fez outros abortos. Vai ver as pílulas
anticoncepcionais perdem efeito no cerrado.
Miriam Cordeiro, a de Lula, ficou evidenciado à
época, recebeu dinheiro da campanha de Collor para fazer aquela “denúncia”. E
Miriam Dutra? Não sei. Ela diz que fala só por amor à verdade — verdades um
tanto estranhas. A mulher reclama da vida, de FHC, da Globo, e intuí que pode
não ter a melhor relação com Tomás, o filho. Já chego lá.
Não quero ser e não vou ser irresponsável — já há
irresponsabilidade de sobra nessa história —, mas não dá para ignorar que
Miriam Dutra rompe o silêncio no momento em que Lula, a figura icônica do PT,
agoniza em praça pública. O roteiro é óbvio demais, e a rede petralha está
assanhada o bastante para que se descarte que há alguma mão balançando esse
berço.
Miriam Dutra já havia concedido uma entrevista a
Fernanda Sampaio, da revista “Brazil com Z”. Está aqui. O título promete: “Miriam Dutra conta a sua
verdade depois de 30 anos”. Leia você mesmo. Não há nada lá além de um
ressentimento ou outro. No máximo, ela põe em dúvida o resultado de exames de
DNA que demonstraram que Tomás, o filho que FHC assumiu como seu, filho seu não
era. E mais não há.
Nas entrevistas concedidas a Natuza Nery e a Mônica Bergamo, da Folha, no
entanto, as coisas mudam de figura e se adensam.
Miriam Diz que FHC lhe mandava dinheiro por
intermédio de uma empresa. Ele admite a primeira parte — de fato, enviou
recursos à mãe de um filho que julgava ser seu —, mas nega a segunda. Ela também
tenta emprestar certo aspecto criminoso ao fato de o ex-presidente ter contas
no exterior — o que ele admite, já que crime não é. Estão devidamente
declaradas, ele garante.
Dois momentos da fala de Miriam Dutra chamam a
atenção. Afirma a Natuza:
“Claro que ele [FHC] tem contas. Como ele deu, em 2015, um
apartamento de € 200 mil para o filho que ele agora diz que não é dele? Ele deu
um apartamento para o Tomás.”
Sim, as contas existem. Sim, ele admite a compra do
apartamento e tem recursos para isso.
Mas pergunto: que mãe, dadas as circunstâncias nada
corriqueiras vividas por Tomás, emprestaria um tom de denúncia a um apartamento
que o filho ganhou daquele que, a despeito dos exames de DNA, atua como seu
pai?
Até onde se sabe, Tomás e FHC mantêm uma relação de
proximidade. Com a mãe, no entanto, parece não ser bem assim. Indagada se
alguém está por trás de sua decisão de falar, ela responde:
“Ninguém. Eu vivo absolutamente sozinha na Espanha, nunca vivi tão
sozinha como agora. Vivo com um cachorrinho chamado Xico, com X, não tenho vida
social, não tenho nada, até pela minha fibromialgia e pela polipose
adenomatosa. Eu não estou falando isso para tirar proveito de absolutamente
nada. Estou lavando a minha alma. É muito difícil você ser xingada por milhões
de pessoas e não vou deixar isso acontecer mais. Não podia entrar na justiça
contra porque eu trabalhava na TV Globo.”
Há aí aquele conhecido vitimismo passivo-agressivo
de quem se coloca na condição de agravado para poder atirar sem culpa.
Digam-me: onde estavam as milhões de pessoas que xingavam Miriam Dutra? Ainda
que pudesse ser doloroso pra ela, ninguém mais se lembrava de sua existência.
Mirians ontem e hoje
Obviamente me opus a baixaria protagonizada por
Miriam Cordeiro, a de Lula. Até porque o petista havia registrado como sua a
filha que tivera com ela, Luriam, e lhe dava o devido amparo. O que a levou
para a ribalta foi a luta política rasteira, foi o oportunismo.
E é evidente que não dá para condescender com a
Miriam Dutra, a de FHC. Especialmente porque o ex-presidente assumiu o filho e
manteve intocada a relação com o rapaz, ainda que exames de DNA tenham
demonstrado que não era seu filho.
A compra do apartamento de € 200 mil, ao qual a
própria mãe do rapaz tenta emprestar ares de escândalo, dado o contexto, é
prova de caráter, não o contrário. A menos que a origem do dinheiro seja
ilegal. Não conta que seja.
Mesmo a pensão que Miriam diz ter recebido por
intermédio de uma empresa teria saído de um depósito de US$ 100 mil que FHC
teria feito, segundo ela própria, com recursos próprios, para que se efetivassem
os pagamentos.
Concluo
Desde a entrevista concedida por ela a tal revista “Brazil com Z”, a rede petralha está assanhadíssima. Agora, então, é uma festa. É como se Lula, o herói incapaz de explicar a sua relação com um sítio e com um apartamento, já estivesse redimido.
Desde a entrevista concedida por ela a tal revista “Brazil com Z”, a rede petralha está assanhadíssima. Agora, então, é uma festa. É como se Lula, o herói incapaz de explicar a sua relação com um sítio e com um apartamento, já estivesse redimido.
A partir de agora, a imprensa, a oposição e os
críticos do petismo não poderiam cobrar mais nada do Demiurgo porque, afinal,
“FHC fez antes”… Mas fez antes o quê?
Há algum suspeita de ilegalidade na maçaroca de
ressentimentos de Miriam Dutra, que configuraria um crime ainda passível de
investigação? Se houver, que se investigue. Não consta.
Mas que não se use a Miriam da hora para decretar
que, afinal, neste Brasil, todos são criminosos e ninguém pode cobrar nada de
ninguém.
Não é verdade! Não somos todos iguais, não!
Nós não somos bandidos.
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