Por Merval Pereira, 04/08/2015,
www.oglobo.com.br
A aguardada (até por ele mesmo) prisão de José Dirceu ganhou maior
densidade política devido à linha do tempo traçada pelo Procurador Carlos
Fernando Lima, determinando que o início do esquema foi o mesmo do mensalão,
quando José Dirceu era o todo poderoso ministro Chefe do Gabinete Civil do
governo Lula, que o chamava de “capitão do time”.
Se o DNA dos dois escândalos, mensalão e petrolão, é o mesmo, como
definiu o ministro do STF Gilmar Mendes e confirmou a Operação Lava-Jato, e a
finalidade a mesma, financiar as atividades políticas do PT e seus aliados,
estaremos em breve diante do mesmo dilema que os investigadores do mensalão
enfrentaram há 10 anos: a cadeia de comando parava em Dirceu, ou o presidente
Lula era o verdadeiro capo de tutti capi?
A presidente Dilma, que na ocasião era ministra das Minas e
Energia e presidia o Conselho da Petrobras, fica em posição frágil diante da
definição de quando o esquema do petrolão começou. Será possível que Dirceu
nomeasse diretores da Petrobras sem que Dilma soubesse por que estavam sendo
escolhidos, e com que missão?
Naquela altura do mensalão, havia o receio de que indiciar Lula como seu
grande mentor poderia desencadear uma ação dos tais movimentos sociais a que o
ex-presidente sempre recorria como ameaça. Para que o processo tivesse
prosseguimento sem transtornos políticos, o Procurador-Geral da época, Antonio
Fernando de Souza (que, aliás, hoje é advogado de defesa do presidente da
Câmara Eduardo Cunha) preferiu parar em Dirceu, considerando-o o grande chefe
do que classificou de “quadrilha”, denominação que afinal o STF derrubou.
Hoje, a situação política é outra, embora ainda restem receios
quanto a Lula. Sua aura de grande liderança popular persiste, mas já está
arranhada a ponto de permitir uma investigação sobre tráfico de influência a
favor da Odebrecht pelo Ministério Público de Brasília. Lula não teve
condições, embora tentasse, de parar a investigação.
Ontem, na entrevista coletiva sobre a fase “Pixuleco” da Operação
Lava-Jato, o Procurador Carlos Fernando Lima citou diversas vezes o
ex-presidente Lula, para deixar claro que o escândalo da Petrobras começou
ainda no seu primeiro governo. Perguntado se considerava Dirceu a
liderança mais importante para o esquema de corrupção na Petrobras, o
Procurador fez questão de afirmar que Dirceu “é um dos principais, mas não o
único”.
Indagado se o ex-presidente Lula será investigado, Carlos Fernando Lima
disse, escolhendo as palavras, que “neste momento não existe nenhum indicativo
de necessidade de prisão de quem quer que seja que não esteja preso”. Mas
deixou claro que “nenhuma pessoa num regime republicano está isenta de ser
investigada”.
Ainda deu-se ao trabalho de explicar que “apenas pessoas com foro
privilegiado devem ser investigadas em foro competente. Um ex-presidente pode
ser investigado em primeiro grau”.
A questão central é que a chegada do PT ao Poder fez com que a corrupção
se tornasse “endêmica e disseminada, como metástase”, na definição de outro
Procurador. Ou, na definição de Carlos Fernando Lima: "(...) Houve uma
sistematização da corrupção no governo do PT, como compra de apoio parlamentar".
De maneira enigmática, ele deixou um recado direto a bom entendedor como Lula: "Temos uma idéia boa e clara de onde podemos chegar, mas isso é
fato sigiloso".
É certo que ainda existe certo temor reverencial quando se fala de Lula
a nível institucional, pois a nível popular esse medo já se desfez. O próprio
ex-presidente Fernando Henrique fica cheio de dedos quando o assunto é uma
possível prisão de Lula. Ora diz que sua prisão “dividiria o país” e que Lula é um líder popular e “não se
deve quebrar esse símbolo”.
Mais tarde, em uma nota com o objetivo de esclarecer declarações a
uma revista alemã, disse que se Lula merecer ser preso “é de lamentar, porque terá jogado fora (coisa que vem fazendo aos
poucos) sua história.”.
Como se vê, já é possível perguntar e discutir se Lula vai ser preso, o
que indica que são muitos os indícios que o envolvem com as empreiteiras do
petrolão. Agora resta aguardar para ver se nossa democracia já está madura o
suficiente para vermos com naturalidade, embora indignados, um ex-presidente da
República sendo investigado por corrupção.
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