Por Augusto Nunes, 28/10/2015,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão:
Não se
pode dizer que tenha causado surpresa o fato de a Operação Zelotes da Polícia
Federal (PF) ter estendido suas investigações à empresa de um dos filhos de
Luiz Inácio Lula da Silva e convocado a prestar depoimento o seu fiel acólito,
Gilberto Carvalho. Muito menos surpreendente foi a reação do próprio Lula,
relatada por testemunhas do desabafo, que extremamente irritado responsabilizou
a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por
mais esse ato de “perseguição política”. O paladino da igualdade social, como
se vê, continua se achando mais igual do que todo mundo e, portanto, acima de
qualquer suspeita de ter alguma coisa a ver com o mar de lama que inundou a
política e a gestão da coisa pública como nunca antes na história deste país.
Para
Lula, de acordo com a queixa relatada por amigos, a ação da PF “passou dos
limites”, baseada apenas no “mentirão premiado”, “expressão com a qual,
doravante”, todo petista que se preze passará a se referir ao instituto da
delação premiada. E a culpa é toda da presidente da República, que dá ouvidos a
seu ministro da Justiça, que por sua vez não tem pulso nem interesse em
“controlar” a PF. Reclamação um tanto contraditória, uma vez que até algum
tempo atrás, quando ainda se sentia fora do alcance do longo braço da lei, Lula
tinha a cara de pau de gabar-se de que investigações como a do mensalão, que
mandou a alta cúpula do PT para a cadeia, só eram possíveis porque seu governo
garantia à PF e ao Ministério Público Federal (MPF) fartos recursos e absoluta
autonomia para trabalhar.
A Operação
Zelotes foi criada para desvendar esquema de propinas e tráfico de influência
no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão encarregado de
fiscalizar débitos de grandes contribuintes com a Receita Federal. O
desdobramento das investigações resultou na prisão preventiva de seis suspeitos
de integrar o esquema de “lobby, corrupção e tráfico de influência” revelado
pelo Estadão em reportagens publicadas nas últimas semanas
sobre a ação de lobistas que teriam logrado “comprar” a edição, pela Presidência
da República, de Medidas Provisórias (MPs) que beneficiaram montadoras de
veículos com isenção de tributos e de taxas. A ação policial de segunda-feira
incluiu a busca e apreensão de documentos no escritório da LFT Marketing
Esportivo, empresa de Luís Cláudio Lula da Silva, suspeito de ter recebido
propina de R$ 1,5 milhão da consultoria Marcondes & Mautoni, cujo diretor
Mauro Marcondes Machado integra a lista dos seis presos.
O
extraordinariamente bem-sucedido desempenho dos filhos de Lula no mundo dos
negócios – sempre de alguma forma beneficiados pela generosidade de poderosos
empresários cuja, digamos, amizade o ex-presidente teve a sabedoria de cultivar
depois que deixou o poder – começa a se revelar um ponto extremamente
vulnerável na imagem do chefe da tigrada. Afinal, é impossível imaginar que não
haja nenhuma relação entre o enorme poder político de Lula e a largueza com que
homens de negócio que dependem de contratos com o governo colocam a mão no
bolso para ajudar a prole Da Silva.
A verdade
é que Lula é hoje um homem rico, o que atribui exclusivamente a sua conhecida
condição de palestrante internacional muito bem remunerado. Ele repele com
firmeza as suspeitas de que também se tem beneficiado do papel de lobista de
grandes empreiteiras no país e, principalmente, no exterior. Argumenta que essa
é uma atividade patriótica por meio da quais muitos ex-presidentes em todo o
mundo colocam seu prestígio a serviço dos interesses nacionais. É verdade. Mas
é preciso considerar – mera possibilidade teórica – que quando se cobra por
isso fica quase impossível distinguir patriotismo de tráfico de influência. E
também não faz mal lembrar o que Samuel Johnson dizia a respeito do patriotismo
e de patriotas.
É
perfeitamente natural, portanto, que a tendência inevitável das investigações
dessa corrupção, que parece só não existir onde não é procurada, seja a de
provocar surtos cada vez maiores de irritação do ex-presidente da República.
Pois é perfeitamente compreensível que Lula sofra muito por descobrir que não
pode confiar na pupila que escolheu a dedo para ser sua sucessora e guardiã
temporária de seu infalível projeto de felicidade para o Brasil.
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