Por Augusto Nunes, 28/09/2015,
www.veja.com.br
Texto
de Rolf Kuntz publicado no Estadão
Num aperto danado, com 985 mil empregos
formais fechados em um ano, a presidente Dilma Rousseff resolveu vender o
Ministério da Saúde ao PMDB, em troca de proteção contra o impeachment e de
apoio a medidas de ajuste. A oferta, quase no estilo “família vende tudo”,
envolve um pacote ministerial. Mas a decisão de trocar o companheiro Arthur
Chioro por um peemedebista qualquer tem significado particular.
Durante anos, o governo tentou
impingir ao público a imagem de grande preocupação com a saúde. Também tentou
propagar o mito de realizações importantes no setor. Além disso, desde a
extinção do imposto do cheque, a CPMF, em 2007, petistas do alto e do baixo
clero lamentaram, num choro incessante, a perda de um tributo apontado como
essencial para a saúde. Agora, de repente, o ministério, até a pouco tratado
como jóia da coroa torna-se tão vendável quanto um sofá usado. Além disso, os
R$ 32 bilhões esperados da nova Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira deverão reforçar – quem diria? – as finanças da Previdência. Foi
essa a finalidade apontada pelos ministros econômicos quando propuseram a
recriação do mais aberrante dos tributos brasileiros.
Nenhum cidadão razoavelmente
informado e com pelo menos dois neurônios em operação levou a sério, em
qualquer momento, a propaganda oficial sobre a política de saúde – ou, a
propósito, sobre a política educacional do PT. Da mesma forma, só os muito
desinformados e muito desprevenidos acreditaram no vínculo entre a CPMF e os
programas de saúde. O imposto do cheque sempre serviu, de fato, para engordar a
receita geral do Tesouro e para sustentar, especialmente no período petista, a
gastança do governo federal.
Se educação e saúde fossem mesmo
prioritárias, para os governos e para seus aliados, a aplicação de recursos nos
dois setores nunca dependeria de verbas vinculadas nem de tributos carimbados.
Vinculação fiscal – exceto, talvez, por períodos limitados e em casos muito
especiais – distorce o uso de recursos, torna a administração menos eficiente e
menos criativa, dispensa a competência e abre espaço para a corrupção. Quando é
obrigatório gastar certo volume de dinheiro, a tendência a gastar mal torna-se
muito forte. Tudo isso é confirmado pela experiência brasileira. Além disso, a
repentina mudança da finalidade oficial da CPMF elimina qualquer dúvida sobre o
interesse real do governo.
Parte dos congressistas ainda se
opõe, pelo menos vocalmente, à recriação desse tributo. O apoio dos petistas
parece garantido. Além do mais, governadores interessados numa lasca do bolo
pressionarão parlamentares pela aprovação com alíquota de 0,38%, quase o dobro
da proposta pelo Executivo (0,20%). Há, entre os chamados formadores de
opinião, quem aponte a CPMF como um tributo justo, por incidir, supostamente,
mais sobre o rico e poupar o pobre. Essa crença é uma bobagem. Mesmo se
ganhasse uma carteirinha para ficar livre do imposto na ponta do consumo, o
pobre ainda seria onerado pela incidência nas fases anteriores da circulação.
Cumulatividade é um de seus defeitos.
Os ministros econômicos sabem disso e
conhecem também as outras más características do imposto do cheque. Mas deixam
de lado esses detalhes, ou por darem pouco valor à qualidade e à funcionalidade
dos tributos ou por julgarem muito difícil, talvez impossível, consertar as
contas federais sem esse recurso.
A tarefa é complicada, de fato,
porque a ampliação constante dos gastos obrigatórios, como os salários, os benefícios
da Previdência e também as despesas vinculadas, tornou mais engessado, ano a
ano, um orçamento já pouco flexível. Mesmo assim, muito provavelmente seria
possível aumentar os cortes, de forma significativa, se houvesse disposição e
coragem para uma redução severa dos postos de livre nomeação e para um exame
detalhado de todos os programas.
Em 2011, quando houve um ensaio, ou
encenação, de faxina ministerial, foi descoberto um enorme desperdício de
recursos. Perdia-se muito dinheiro em projetos mal concebidos e mal executados.
Gastava-se em programas de utilidade duvidosa. Queimavam-se grandes verbas em
convênios com ONGs muitas vezes despreparadas para a prestação dos serviços
contratados.
Houve muito barulho, na época, e até
a esperança de eliminação das bandalheiras mais evidentes. Nada indica, no
entanto, uma alteração efetiva dos padrões dominantes na administração. Ao
contrário: nos anos seguintes, bastaria acompanhar a execução dos programas
ligados à Copa do Mundo para verificar a persistência, e até o agravamento, dos
maiores vícios.
A devastação da economia, acelerada
no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, coincidiu com o engessamento
maior do Orçamento federal e com maior degradação dos padrões administrativos.
O fiasco permanente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apenas
disfarçado pelos números do programa habitacional, confirmou muito claramente a
incompetência crescente da gestão pública. Mas o funcionalismo nunca deixou de
crescer e o aumento da folha sempre superou a inflação. Ao mesmo tempo,
subsídios continuaram e continuam sendo canalizados para grupos escolhidos.
A resposta da presidente consistiu,
até agora, em propor remédios para fechar as contas em 2016. Para este ano, a
expectativa de um pífio superávit primário de 0,15% do PIB, reafirmada há
poucos dias, depende de cerca de R$ 43 bilhões de receitas extraordinárias –
tão extraordinárias e voláteis quanto o apoio comprável com nomeações. Nenhuma
solução de maior alcance foi sugerida seriamente. Para conseguir apoio a esse
quase nada a presidente põe à venda o governo. A Standard & Poor’s
limitou-se a rebaixar a nota de crédito do país. A autodegradação do governo é
muito mais séria do que isso.
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