Mirian Dutra, jornalista que se relacionou com o
ex-presidente, conta que ele pagou por abortos que ela praticou. Em tempos de
zika, por que não falar sobre gravidez interrompida sem histeria?
Por
Carls Jiménez, São Paulo,
19/02/2016, www.elpaís
Mirian Dutra, que foi amante do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nos anos 80 e 90, concedeu duas entrevistas esta semana, expondo em detalhes um segredo que o Brasil conhecia, mas que agora
veio a público pela voz da própria protagonista. Mirian, jornalista que vive em
Madri desde 2006, ficou conhecida dos brasileiros duas vezes. Primeiro quando
se soube que era a tal amante e que inclusive tinha um filho do ex-presidente,
e depois, quando FHC fez o teste de DNA que revelou que ele não era, de fato,
pai do que se supunha fruto dessa relação extraconjugal.
Em uma das entrevistas, concedida à Folha de S.Paulo, a
jornalista contou que Fernando Henrique pagou dois abortos seus durante o
período em que se relacionaram. Questionado pela Folha sobre o
fato, o ex-presidente não negou, apenas dizendo que “questões de natureza íntima, minhas ou de quem
sejam, devem se manter no âmbito privado a que pertencem”.
E ele tem toda razão. É de cunho íntimo, não é da conta de ninguém se
uma mulher (ou um casal) decide interromper a gravidez, seja porque não se
julga preparada para uma missão dessa natureza, seja porque pode comprometer a
sua saúde física, ou o futuro do rebento que está a caminho. Mas é público e
notório que o aborto é tratado com um ridículo manto
de hipocrisia pela sociedade brasileira quando até um ex-chefe de Estado parece
ter recorrido à prática mais de uma vez. Como escreveu Eliane Brum nesta
semana, são realizados mais de 1 milhão de
abortos por métodos inseguros no Brasil e o Sistema Único de Saúde faz ao menos 200.000 atendimentos anuais por complicações
pós-aborto. A morte por procedimentos errados também estariam na casa dos
milhares.
A entrevista de Mirian Dutra, que foi jornalista da Rede Globo,
a maior emissora de televisão do país, está fervendo nas redes sociais,
explorada por seus inimigos políticos. Como mulher, me estarrece saber que uma
figura política de tão grande estatura aparentemente recorreu a uma prática
execrada no Brasil, e por oportunistas de plantão, como o fez em 2015 o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e seu projeto de lei 5069, que dificulta o acesso de mulheres à pílula abortiva na rede pública – mesmo que ela tenha sido
estuprada.
Estarrecedor, pois equivale a urrar num megafone “somos todos hipócritas
no Brasil”, diante da informação de que um
prestigiado representante da classe política patrocinou o que tenta ser coibido
para pessoas simples que também precisam ter essa possibilidade ao seu alcance.
Trata-se de um debate urgente, em tempos de uma doença que se
acomodou no Brasil pelo irresponsável descaso
do Estado brasileiro com a população. O zika vírus pode
estar contribuindo para a microcefalia em bebês no Brasil. Crianças que, a priori, poderão enfrentar
dificuldades mentais e motoras a vida toda. O que exige que o debate do aborto
entre em pauta sem histeria e oportunismo.
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