Por Augusto Nunes, 27/01/2016,
www.veja.com.br
José
Nêumanne:
Há nove
anos chegam a meu computador denúncias de um golpe típico de vigarista: quase 3
mil famílias de associados entraram na Justiça contra a administração da
Cooperativa dos Bancários (Bancoop), fundada por Ricardo Berzoini, secretário
da presidente Dilma Rousseff. Eles se queixam de ter pago prestações de
apartamentos em que não puderam morar. O acusado é o ex-presidente da
instituição João Vaccari Neto, suspeito de haver desviado o dinheiro dos
cooperados para beneficiar o Partido dos Trabalhadores (PT), de que foi
tesoureiro.
Do grupo
que mandou no Sindicato dos Bancários de São Paulo sob a égide de Luiz
Gushiken, absolvido no mensalão pelo Supremo Tribunal Federal e saudado como
herói, quase santo, pelo revisor do processo, Ricardo Lewandowski, Vaccari
ficou livre, leve e solto até cair na rede da Operação Lava Jato. E, aí, ser
recolhido à prisão em Curitiba, onde cumpre penas. Aplaudido de pé em reuniões
do partido, tratado pelo presidente nacional petista, Rui Falcão, e pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como companheiro prestimoso, Vaccari vê
agora ressuscitarem nas mãos do promotor José Carlos Blat as queixas das
vítimas da Bancoop, que têm complicado sua situação.
Nos
processos há evidências que desfazem a aura de santidade que Lula se outorgou
ao falar a blogueiros fiéis: sem ter dado um dia de expediente em agência
bancária na vida, o ex-presidente é acusado de ter adquirido a preço de banana
um triplex de 294 metros quadrados com elevador privativo na praia do Guarujá.
A revista VEJA circula com reportagem de capa que reproduz
trechos de depoimentos ao Ministério Público de São Paulo com testemunhos de
que o imóvel, cuja propriedade o ex nega, não pertence à empreiteira OAS,
acusada de participar do propinoduto da Petrobras, mas à família Lula da Silva.
Outro promotor, Cássio Conserino, informou que “Lula e Marisa serão
denunciados” pelo crime de ocultação de patrimônio, que caracteriza lavagem de
dinheiro.
A bomba
revelada pelo semanário causou controvérsias. O promotor não podia ter dado a
entrevista e a revista não devia ter noticiado a perspectiva de denúncia não
concretizada? Desde que Guttenberg decidiu imprimir sua Bíblia até nossos dias de internet, o debate sobre o
direito à privacidade de homens públicos e o dever dos meios de comunicação de
noticiar o que lhes cai nas mãos foi aberto, repetido e dificilmente um dia se
resolverá.
Mas há
algo mais grave omitido na polêmica: os quase 3 mil chefes de família cuja
poupança virou pó de calcário não têm direito a ver punido o mau gestor que
levou a cooperativa à falência e os que o protegeram tanto nela quanto no
partido que dela tirou proveito?
Esse
episódio pungente e revoltante retrata apenas um tijolo do muro das lamentações
a cujas proximidades as vítimas da desumana rapacidade das castas dirigentes
sindical, política e burocrática nacionais nunca tiveram sequer acesso. É o
caso do camponês diante da lei na fábula de Kafka que Orson Welles usou como
prólogo do filme O Processo, lançado em DVD pela
Versátil.
Outra
evidência de que as vítimas de ignomínias similares são tratadas no Brasil como
párias destinadas à danação é a chicana mal disfarçada no desabafo de famosos
causídicos na tentativa esdrúxula de configurar a ação da Polícia Federal, do
Ministério Público Federal e do juiz federal do Paraná Sergio Moro, que
devassam as petro-roubalheiras, como caudatária de métodos neo-inquisitoriais
da ditadura militar. Em defesa de seus polpudos proventos, os “profissionais da
lei” não invocaram um único fato para execrar o trabalho honesto e competente
dos agentes do Estado, que cometem o pecado de introduzir na história penal do
país condenações de milionários e meliantes de colarinho branco flagrados em
delito. A mistura cavilosa de alhos com bugalhos chega a ser um escárnio, de
tão cínica.
Ao tratar
acusados de rapina do patrimônio público como se fossem vítimas desse saque, os
signatários escarram nos rostos honrados dos mais de 160 milhões de brasileiros
que sabem que são espoliados sem dó por um desgoverno de desmandos, um Congresso
com muitos representantes venais deles próprios e um Judiciário cuja lerdeza é
uma forma de opressão. O número citado não é aleatório, consta do furo de José
Roberto de Toledo publicado neste jornal: segundo o Ibope, 82% dos
entrevistados sabem que nunca podem contar com a gestão federal do PT, PMDB e
aliados para nada.
Difícil é
encontrar alguma razão para 14% ainda alimentarem a vã ilusão de que Dilma
Rousseff e seus asseclas estejam levando o Brasil para um rumo qualquer. Na
semana passada, Tânia Monteiro, da sucursal do Estadão em
Brasília, informou que a presidente ainda não demitiu o ministro da Saúde,
Marcelo de Castro, por não querer desagradar a seu candidato a líder do PMDB na
Câmara, Leonardo Picciani, e assim evitar transtornos à condução de seu único
projeto de governo: evitar o próprio impeachment.
Cem anos
após Oswaldo Cruz ter combatido a febre amarela expulsando o mosquito Aedes aegypti do Brasil, esse senhor cometeu a insânia
de dizer, entre risos de mofa, em entrevista, que torce para as mulheres
contraírem o vírus da zika antes da fertilidade, ficarem imunes e assim seu
desgoverno sem caixa não ter de comprar vacinas caras. Dois séculos depois de
José Bonifácio de Andrada e Silva ter articulado a nossa independência,
contamos com um líder do pré-sal do baixíssimo clero da Câmara para garantir no
posto um ministro que atua como se sua missão fosse disseminar a doença, e não
proteger a saúde das vítimas de sua incúria.
O pior é que combate essa súcia
uma oposição que, limitada a atuar para pôr fim a um desgoverno desastrado, em
vez de apresentar alternativa decente de poder, só propõe patacoadas como a
extinção do partido adversário. Pobres de nós, vítimas dessa vil politicagem!
Nenhum comentário:
Postar um comentário