Por Hugo Marques, 26/02/2016,
www.veja.com.br
As últimas grandes operações da Polícia Federal -
Lava Jato, Zelotes e Acrônimo, para citar as mais conhecidas - têm algo em
comum: todas elas descobriram grandes esquemas de corrupção que serviam, ao fim
e ao cabo, para abastecer com dinheiro público desviado campanhas políticas e
contas de políticos da base governista. Um modus operandi muito
similar ao que ficou conhecido a partir das investigações do mensalão, o
primeiro grande escândalo da era petista no governo. A Operação "O Recebedor",
deflagrada nesta sexta-feira para apurar desvios milionários nas obras de duas
das maiores ferrovias em construção no país, não foge à regra.
Estima-se que o rombo nos cofres públicos com
desvios nos projetos da Ferrovia Norte-Sul e da Ferrovia de Integração
Oeste-Leste ultrapasse, de longe, os 600 milhões de reais. Os dois projetos são
tocados pela Valec, estatal subordinada ao Ministério dos Transportes. O
procurador Hélio Telho, um dos encarregados do caso no Ministério Público
Federal, diz ter indícios suficientes para suspeitar que a maior parte dos
recursos desviados tenha servido para abastecer campanhas políticas. A suspeita
se baseia não só no volume de recursos desviados, mas também nos personagens
envolvidos no esquema - todos eles apadrinhados por conhecidos caciques
políticos de partidos da base do governo federal.
Desdobramento da Operação Lava Jato, de onde
surgiram os elementos que deram origem à nova investigação, a Operação "O
Recebedor" tem como principal personagem José Francisco das Neves, o
Juquinha, presidente da Valec de 2003 a 2011. Ele assumiu o posto no primeiro
ano do governo Lula, por indicação do então ministro dos Transportes, Anderson
Adauto, àquela altura um dos chefões do então Partido Liberal (PL), depois
rebatizado como Partido da República (PR). Adauto chegou a ser acusado pela
Procuradoria-geral da República como um dos beneficiários do mensalão e teve
sua carreira em Brasília abreviada. Juquinha, seu pupilo, continuou em operação
até 2011, quando VEJA revelou a existência de um mega-esquema no Ministério dos
Transportes destinado a desviar dinheiro de contratos da pasta para o partido
que a comandava.
Esta é a segunda operação policial que flagra
Juquinha envolvido em esquemas de corrupção na Norte-Sul. Em 2012, ele foi
preso junto com a mulher e os filhos na Operação Trem Pagador, por suspeita de
ocultação de patrimônio em crimes de peculato e de licitação, também a partir
de desvios de recursos da Norte-Sul. Outro personagem investigado agora é o
engenheiro Ulisses Assad, igualmente demitido da Valec em 2011. Ligado à
família Sarney, Assad sempre foi um fiel cumpridor de ordens de Fernando, filho
do ex-presidente da República.
A Ferrovia Norte-Sul começou a ser construída no
Governo Sarney, em 1987, e até hoje, após três décadas de desvios e
superfaturamentos, não foi terminada. A família Sarney sempre usou seu poder no
Judiciário para arquivar investigações ligadas a Norte-Sul, como a Operação Boi
Barrica, que teve as provas anuladas por decisão do Superior Tribunal de
Justiça (STJ). Mas agora, com os acordos de delação premiada firmados na
Operação Lava Jato por diretores da Camargo Corrêa, a Polícia Federal descobriu
que Juquinha embolsou pessoalmente 800.000 reais em propina para beneficiar as
construtoras que superfaturavam contratos e pagavam propinas por meio de
empresas de fachada.
O Ministério Público e a Polícia Federal não
revelam, por ora, detalhes sobre os destinatários finais do dinheiro desviado.
A operação terá desdobramentos. Muitas das empresas envolvidas, como a
Odebrecht e a Constran (ligada à UTC), são as mesmas que aparecem na Lava Jato
como protagonistas do petrolão - empresas que, como se sabe, costumavam fazer
generosas doações em troca de contratos no governo. Só a campanha à reeleição
da presidente Dilma Rousseff recebeu mais de 30 milhões de companhias que, na
manhã desta sexta-feira, foram alvo de busca e apreensão de documentos e
computadores.
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