Por Augusto Nunes, 12/02/2016,
www.veja.com.br
Texto de J.R.
Guzzo:
O que poderia ser mais fácil para o ex-presidente Lula do que explicar
ao público e às autoridades da Justiça Penal brasileira, acima e além de
qualquer dúvida, as histórias desse apartamento triplex no Guarujá e desse
sítio em Atibaia, ambos em São Paulo, que tantas dores de cabeça lhe têm dado?
Se não há nada de errado com os dois negócios, ou pelo menos nada que possa ser
descrito como francamente ilegal, bastariam quinze minutos para deixar tudo
muito bem justificado. Qual o problema? Não se trata de álgebra avançada. São
casos bem simples, que qualquer cidadão pode entender perfeitamente, sem
nenhuma necessidade de chamar advogado ou ficar nervoso. Ou os imóveis são
dele, ou não são; ou foram reformados com seu próprio dinheiro, ou alguém pagou
o serviço em seu lugar. De um jeito ou do outro, tudo pode estar correto. Lula
tem recursos de origem boa para comprar e reformar propriedades; também tem o
direito de usar propriedades pertencentes a outras pessoas e beneficiar se de
melhorias que os proprietários fizeram nelas. Houve a ajuda de empreiteiras de
obras públicas num e noutro caso, mas e daí? Elas já lhe pagaram 27 milhões de
reais entre 2011 e 2014 para fazer palestras, e Lula diz que se orgulha disso.
Então: é só dizer direitinho, afinal, o que está acontecendo. Nada mais simples
para um homem que acaba de jurar que não existe nenhuma “alma viva” mais
honesta do que ele entre os 200 milhões de habitantes deste país.
Mas Lula não diz nem uma palavra sobre os fatos. Se está assim tão
convencido de que tudo é mentira, por que não disse nada até agora? Só começou
a falar porque será oficialmente investigado ─ e quando falou foi para vir com
esse prodigioso despropósito sobre a honestidade das almas brasileiras, uma das
declarações mais infelizes que já fez em seus trinta e tantos anos de vida
política. Logo numa hora dessas? É estranho: Lula parece estar perdendo contato
com os talentos políticos que lhe são atribuídos. Onde andaria hoje a sua tão
celebrada maestria como tático? Vai saber. O fato é que, insistindo o tempo
todo na recusa a dar qualquer explicação sobre qualquer coisa que faz, Lula
constrói sobre sua própria cabeça, por conta própria e sem a ajuda de ninguém,
uma nuvem de suspeitas que parece o cogumelo atômico de Hiroshima. Só consegue
se defender atacando os outros ─ “a mídia”, como sempre, ou “a oposição”, que
foi incapaz de dizer uma única sílaba sobre essa história até agora. É um
esforço inútil. Ninguém vai acreditar que foi a imprensa que construiu o
Edifício Solaris ou reconstruiu o sítio de Atibaia. Lula só faz um número cada
vez maior de gente perguntar: “Mas o que ele está escondendo?”. Se não tem nada
a esconder, é um péssimo negócio.
É verdade que, pensando um pouco melhor, seriam necessários outros
quinze minutos para explicar como um dos seus filhos conseguiu vender em 2005 à
empreiteira Andrade Gutierrez, por 5 milhões de reais, parte das ações de uma
empresa de games que nunca foi a lugar nenhum. Desde o primeiro minuto, essa
história, que jazia havia onze anos no arquivo morto e agora sai da tumba,
pareceu esquisitíssima. A troco de que a segunda maior empreiteira do Brasil
iria dar esse monte de dinheiro ao primeiro-filho para se tornar sócia minoritária
de um fracasso? Lula, na ocasião, disse que o rapaz era “o Ronaldinho dos
negócios”, e que a Andrade Gutierrez estava fazendo uma compra espetacular ─ o
que talvez tenha feito mesmo, quando se considera que acabou beneficiada depois
com uma mudança de lei decretada pelo presidente. A explicação era quase um
deboche, mas fazer o quê? Aqueles eram tempos dourados para a impunidade da
classe AAA-plus. Mais um bloco de quinze minutos precisaria ser dedicado aos
empréstimos do primeiro-amigo José Carlos Bumlai, hoje residente no xadrez da
Polícia Federal de Curitiba, outro teria de esclarecer o pagamento de 2,5
milhões de reais feito ao segundo-filho por uma empresa de lobby, e por aí se
vai. Mas, por maior que seja a soma final de tempo requerida para as
explicações, sempre é melhor do que ficar fazendo cara de bravo e deixar que
cresça à sua volta um monumento à desconfiança.
O que há de
definitivamente certo nisso tudo é, em primeiro lugar, uma intimidade
extraordinária entre o ex-presidente e grandes empreiteiras ─ todas elas
metidas até o fundo da alma com a corrupção, como comprovado pelas confissões e
condenações da Operação Lava Jato. Em segundo lugar, é a evidência de que Lula
não se conforma, de jeito nenhum, em ser um brasileiro como os demais.
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