Questionar eventuais equívocos e
excessos de uma operação ampla e complexa como a investigação da corrupção
generalizada no governo é uma obrigação dos cidadãos conscientes
Por Augusto
Nunes, 27/09/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
Questionar eventuais equívocos e excessos de uma
operação ampla e complexa como a investigação da corrupção generalizada no
governo é uma obrigação dos cidadãos conscientes. A mídia tem feito isso,
exemplarmente. Mas há uma enorme diferença entre a crítica objetiva e isenta e
a deliberada e maliciosa tentativa de induzir as pessoas a acreditar que o erro
não é a exceção, mas a regra, e que, portanto, a Operação Lava Jato deve ser
proscrita, como uma coisa “do Mal”.
Um dos efeitos maléficos da prolongada – mais de
uma década, tempo em que o lulopetismo conseguiu se manter no poder – divisão
do Brasil entre “nós” e “eles”, personificações do Bem e do Mal, foi a
crescente incapacidade de uma verdadeira legião de brasileiros que se considera
bem pensante – artistas, acadêmicos, jornalistas, intelectuais em geral – de
demonstrar um mínimo de isenção e objetividade diante dos principais fatos que
movimentam o amplo e tumultuado cenário político nacional. O fenômeno que talvez
melhor ilustre essa situação é justamente a Operação
Lava Jato, símbolo do combate à corrupção na gestão da coisa pública.
No cumprimento da missão de investigar e levar à
Justiça os responsáveis pela corrupção no governo, a Lava Jato acabou mirando,
obviamente, gente do governo, figurões políticos e operadores do PT e de seus
aliados, além de empresários delinqüentes para quem o princípio da livre
concorrência está baseado na capacidade de oferecer a maior propina. Lula e o
PT – isso tem sido reiteradamente afirmado neste espaço – não inventaram a
corrupção. Na verdade, chegaram ao poder prometendo acabar com ela e “com tudo
de errado que está aí”. Mas, em nome da perpetuação de seu projeto de poder,
renderam-se à pragmática conclusão de que é mais fácil comprar apoio político
com dinheiro do que conquistá-lo por meio do debate de ideias. Mensalão e
petrolão, essencialmente a mesma coisa, tornaram-se então método político do
lulopetismo.
Ocorre que Lula e a tigrada delinqüiram em nome de
um “projeto popular” apresentado como a quinta-essência da política “do Bem”. E
quem não se alinhou a essa política passou a ser “do Mal”, ou simplesmente
“eles”, a quem “nós”, os adoradores de Lula, o Supremo, declararam guerra sem
trégua.
Logo, se sou “do Bem”, como posso tolerar um
aparato investigatório que ousa apontar o dedo para os principais heróis do
projeto de salvação nacional que só não deu certo, ainda, por culpa da
globalização da economia e da sabotagem dos inimigos do povo? Para quem pensa
assim – melhor dizendo, reage assim – a Operação Lava Jato é coisa armada por
“eles”. Mas pega mal dizer isso com todas as letras, até porque a corrupção
deixa um rastro muito evidente de podridão e fedor. Então, atacam pelas beiras,
explorando detalhes, para exaltar seus heróis e denegrir os defensores da lei.
Essa é a estratégia de ilustres lulopetistas que
formam a quinta coluna. Na primeira linha ficam celebridades mais afoitas,
abraçando Lula e Dilma em ambientes protegidos e exibindo cartazes de “Fora
Temer” e “Diretas Já”.
A indisfarçável intenção de Lula e seus seguidores
– os que ainda restam – de desmoralizar a Operação Lava Jato para salvar a
própria pele coincide com a igualmente clara disposição de políticos do PMDB e
muitos outros partidos ex-aliados dos petistas, e que se mantêm governistas, de
“estancar essa sangria”, como já disse o senador Romero Jucá.
Para alegria e orgulho dos brasileiros honestos, o
fato é que a conspiração contra o combate à corrupção oficial, também com certa
ironia, revela que as instituições democráticas têm sido suficientemente fortes
para resistir ao assédio de quem só pensa em tirar proveito político e pessoal
do poder. O povo brasileiro está cansado de ser enganado e espoliado por
governantes inescrupulosos e aposta firme no saneamento do aparelho estatal,
até o ponto em que isso é humanamente possível. A Lava Jato fica, a tigrada – a
que não for presa – passa.
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