Me expliquem por que a palavra de
ordem é “golpe, golpe”. Como assim?
Por Augusto
Nunes, 30/09/2016,
www.veja.com.br
Texto de Arnaldo Jabor Publicado no Globo
Eu também quero ser feliz. Fico com inveja dos
manifestantes que berram “Fora, Temer”, orgulhosos, iluminados pela certeza de
que lutam pelo bem do Brasil. Tenho inveja deles. Nada é mais cobiçado do que a
chamada “boa consciência”, a sensação de estar do lado certo da história ou da
justiça. Tenho inveja de famosos artistas e intelectuais que aderiram à causa
do “Fora, Temer”, se bem que ainda não consegui entender o labirinto ideológico
dentro de suas cabeças que desemboca nesses protestos. Fico inquieto, mas logo
me tranqüilizo, porque eles, pessoas especiais, têm um fino saber e se tivessem
tempo (ou saco) me elucidariam sobre suas profundas razões. Esforço-me, mas
ainda não alcanço essa profundidade. Acho que tenho de me rever, fazer uma
autocrítica. Talvez eu seja levado por minha cruel personalidade que, como eles
dizem, não deseja o progresso do País. Eu sei que, ai de mim, talvez eu não
passe mesmo de um fascista neoliberal, mas também sou um ser humano. Por isso,
me entendam – eu quero ser salvo, doutrinado, catequizado pelo saber histórico
dos manifestantes. Peço, por favor, que me ajudem a entender suas teses, para
que eu saia das trevas da ignorância. Eu sou um pobre homem alienado, mas quero
me atualizar. Por isso, trago algumas perguntas para me livrar dessas dúvidas
pequeno-burguesas.
Por exemplo:
Me expliquem porque a palavra de ordem é “golpe,
golpe”. Como assim? – pensei, na minha treva: se a Suprema Corte, o Congresso,
o Ministério Público, a PGR, a Ordem dos Advogados, a Associação dos Magistrados
do Brasil levaram nove meses para cumprir o ritual constitucional e legitimaram
o impeachment, por que é golpe? A turma do “Fora, Temer” deve saber. Talvez,
alguém da direita tenha envenenado a mente desses juízes, congressistas,
advogados e procuradores. Quem, na calada da noite, se reuniu com eles e juntos
planejaram um golpe contra a Dilma? Imagino a cena, tarde da noite num bar de
hotel: ministros e juízes bebem e celebram, às gargalhadas, um plano para
arrasar o PT. Me expliquem esse mistério, pelo amor de Deus.
Vejo, com assombro de inocente inútil, que ignorei
a estratégia bolivariana quando Dilma declarou em campanha que, na economia,
estávamos bem. Frívolo que sou, achei que o Dilma estava mentindo; mas, logo
lembrei que era “mentira revolucionária” para ser eleita – hoje, entendo que
Dilma fez bem em encobrir um rombo de 170 bilhões de reais com dinheiro dos
bancos públicos.
Quebrou-se a Petrobras, mas já posso ouvir nossa
“intelligentsia”: “os fins justificam os meios e, se a Petrobras era do povo,
seu dinheiro podia ser expropriado para o bem do povo”. Na mosca. Espantei-me
com a visão de mundo que justificou a compra da refinaria de Pasadena por um
preço 30 vezes maior; pagamos por uma lata velha um bilhão e meio de dólares.
Mas eu, um idiota da objetividade, tenho a convicção de que vocês me revelarão
a límpida verdade: Dilma sabia da venda, mas fez vista grossa em nome de nossa
salvação. Afinal, o que são um bilhão de dólares diante do socialismo (ou
brizolismo) triunfante que virá?
Às vezes, em minha hesitante mediocridade, temi que
os 50 mil petistas empregados no governo estivessem trabalhando para o PT e não
para a sociedade, mas já ouço a voz de grandes artistas explicando-me, com doce
benevolência, que a sociedade não é confiável e que os petistas não eram
infiltrados, mas vigilantes de sua missão no futuro.
Houve um momento em que achei, ingenuamente, que a
nova matriz econômica de Dilma e Mantega era o rumo certo para a catástrofe. Ou
para o brejo. Mas, sei que os sapientes comunistas dirão que esse será um brejo
iluminista que acordará as mentes para a verdade. Assim, respiro aliviado.
Entendi-os: “mesmo a ruína poderá ser didática”. Eles dirão, imagino, que um
poder popular não podia se ater a normas econômicas neoliberais e tinha de
estimular o consumo. Isso criou 12 milhões de desempregados? Sim, mas, nossos
teóricos rebaterão que, mesmo quebrando o País e provocando inflação, esses 12
milhões sentiram o gostinho das geladeiras e TVs e que isso é a criação de um
desejo para o socialismo. Na mosca.
Confesso também que fiquei desanimado com o atraso
de todas as obras prometidas, que o PAC não andou, que não devíamos financiar
portos e pontes em Venezuela, Angola e Cuba, mas eles me ensinarão que a
solidariedade internacional bolivariana é fundamental para a vitória de seu
projeto. Quero me penitenciar também por ter me entusiasmado com a Lava Jato,
que considerei uma mutação histórica. Depois, lendo os jornais e as explicações
de gente lúcida como a Barbie - bolivariana Gleisi Hoffman e Lindbergh Farias,
o homem que salvou Nova Iguaçu, voltei atrás e vejo que Moro e seus homens não
passam de fascistas que querem impedir o avanço das forças do progresso. A Lava
Jato, hoje o sei, é de direita.
Às vezes, reacionários criticam o governo Dilma por
gastar muito em publicidade, porque desde o início do governo do PT foram
gastos 16 bilhões de reais. Eu achava isso errado, mas sábias palavras me
provarão que a população é uma grande “massa atrasada” e que há que lhes
ensinar a verdade do capitalismo assassino.
Também achei pouco elegante a difusão pelo mundo da
tese de que um golpe terrível tinha se passado no Brasil, achei que uma
presidenta não podia espalhar uma difamação sobre o próprio país. Mas, artistas
e intelectuais vão sorrir com superioridade e me ensinar (já os vejo…) que a
adesão internacional é mais importante que velhas fronteiras nacionais.
Por isso, creio que estou pronto para minha reforma
mental. Estou pronto para renegar minhas dúvidas pequeno-burguesas. E logo
poderei fazer parte daqueles que invejo por seus rostos iluminados de certeza,
por sua sabedoria acima da história e do obvio.
Assim, poderei participar desses protestos, me
sentir um revolucionário e gritar, de punho erguido e fronte alta: “Fora,
Temer!!”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário