Enquanto há brasileiros competindo para serem os melhores, o jeca e a
respectiva criatura quebram cotidianamente o próprio recorde de delinqüência
Por Augusto
Nunes, 18/08/2016,
www.veja.com.br
Texto de Valentina de Botas
O que torna o cotidiano possível? O Brasil sempre
me deu a impressão de que padecia da deformação resultante da inversão “o
importante é ganhar, não competir”, mas isso parece à forma branda da patologia
verdadeira: “importante não é ganhar, mas ganhar sempre”. O texto primoroso de
Augusto Nunes, da gratidão citando a excelente Dorrit Harazim, passando pela
homenagem ao grande Ricardo Prado, até a comemoração do que espero ser uma
melhora definitiva na alma enferma de um país infantiloide e brutalizado na
rejeição a qualquer resultado que não o pódio – e, neste, o topo –, ensina um
olhar de generosidade sobre grandes homens e mulheres que inspiram uma nação e
colonizam a alma dela com a beleza de fazer flutuantes os limites ou da poesia
no desafio aos limites imóveis.
Essa generosidade nada tem de condescendente e
contempla não somente o desempenho quase inumano dos competidores numa
olimpíada, mas também a risonha oportunidade de que o possam testemunhar homens
e mulheres normais, heróis anônimos de si mesmos que, além de envolvidos em
embates íntimos ou privados normais da vida, tentam sobreviver moral e
fisicamente num Brasil cujas melhores potencialidades o lulopetismo sabotou enquanto
se servia das piores.
Agora mesmo, enquanto há brasileiros competindo
para serem os melhores, o jeca e a respectiva criatura quebram cotidianamente o
próprio recorde de delinqüência numa disputa sem limites ao pódio mais alto do
pior que a terra tão garrida produziu para ser tão esbulhada. Enquanto ele,
sempre afastando os limites da sordidez, para escapar da merecida e tardia
cadeia, mente numa cartilha em quatro idiomas distribuída no exterior,
difamando o Brasil, as instituições brasileiras, Sergio Moro e Rodrigo Janot;
ela, para escapar do merecido e tardio impeachment, faz do Alvorada a locação
para um documentário ficcional a respeito do processo lendo uma carta em que
encena promessas tão plausíveis quanto válidas de uma mulherzinha de caráter
miúdo que demitiu a verdade de todas as promessas inventadas, com exceção de
uma: fazer o diabo para ganhar a eleição.
Maquiando o vazio, Dilma repetiu a tríade formada
por uma verdade desnecessária e duas mentiras inúteis: foi torturada pela
ditadura militar, o que não a inocenta do crime de responsabilidade fiscal; é
honrada, OK, Fernando Henrique Cardoso acreditar nisso não a inocenta do crime
de responsabilidade fiscal; ela não tem conta no exterior, nem eu, só que não
cometi crime de responsabilidade fiscal, ela sim, crime pelo qual será
condenada.
Os bravos Sergio Moro ou Hélio Bicudo não são
heróis e há coisas que o impeachment e a Lava Jato não poderão fazer, mas acho
que eles são figuras inspiradoras e triste do país que, desgraçado por Lula e
Dilma, não pudesse contar com eles. Do mesmo modo, ainda que a excepcionalidade
de Ricardo Prado ou Thiago Braz não baste para curar nossa impotência olímpica,
eles integram, para sempre e mesmo sem repetir o que já fizeram, uma coleção
heterogênea de genialidades humanas que deslumbram o presente, como Usain Bolt,
e inspiram o futuro.
Me lembro que em agosto de 2012, quando esta coluna
ergueu o justo brinde a Usain Bolt por ter sobrevoado no chão da pista olímpica
de Londres 100 metros em menos de 10 segundos, eu quis comentar, mas não sabia
o que dizer. Na ocasião, minha filha me perguntou para que serve correr 100
metros em menos de 10 segundos. Também não soube o que dizer. Mas falei
qualquer coisa sobre como isso não acontece da noite para o dia, que exige treino
absurdo, disciplina espartana, que a marca genial era inédita, que o feito
ajuda a entender melhor a fisiologia do corpo humano e… vi que era melhor ter
ficado calada. Aquilo não estava alcançando à pequena.
Fiquei olhando para os olhos grandes dela, atentos,
lindos na sua apressada curiosidade pelo mundo. Lembrei-me de um dia de agosto
de 1977, quando, só um pouco maior do que ela, o cabelo preso num alto
rabo-de-cavalo, cheguei da escola vestindo o uniforme de sainha xadrez plissada
e camisa branca. Não quis almoçar, brincar, nem fazer a lição de casa. Por quê?
Minha mãe deixando as costuras quis saber e eu não sabia como explicar que meu
primeiro namorado acabara de morrer sem que eu pudesse contar a ele da minha
paixão.
Passei o dia inteiro ouvindo as músicas dele numa
vitrolinha ordinária do Mickey, como se cada uma fosse um beijo: It’s now or
never, Kiss me quick, Burning love, Blue moon, Suspicious mind, Love me tender,
Blue suede shoes, tantas outras e a eterna You’re always on my mind. Por algum
tempo, o cotidiano só era possível se eu ouvisse Elvis Presley.
Então, soube o que dizer à minha filha: como
qualquer realização genial, alguém correr 100 metros em menos de 10 segundos,
fazer mil gols e ter os mais lindos gols não feitos ou saltar mais de 6 metros
é um sonho que torna possível o cotidiano e, com outras palavras, confidenciei
que isso faz aquilo que é pó e transitório em nós experimentar por instantes,
como num beijo, o eterno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário