A reação dos cardeais à façanha
de João Doria revela que os tucanos jamais ganham uma eleição, mesmo quando o
seu candidato é vitorioso
Por Augusto
Nunes, 11/10/2016,
www.veja.com.br
A reação dos cartolas do PT ao naufrágio nas urnas
de São Paulo confirmou que o partido nunca perde uma eleição, mesmo quando o
seu candidato é derrotado. Ainda grogue com o tremendo nocaute imposto por João
Doria, Fernando Haddad foi carregado nos ombros pelos chefões que lançaram a
candidatura a governador do campeão moral que só não chegou ao segundo mandato
porque o fiasco de 2 de outubro chegou primeiro. O prefeito não perdeu,
concordaram colunistas diplomados pelo Instituto Lula. O povo é que perdeu a
chance de reeleger o moderníssimo parteiro de ciclovias.
A reação dos cardeais do PSDB ao estrondoso triunfo
na capital paulista reafirmou que o partido jamais ganha uma eleição, mesmo
quando seu candidato é vitorioso. Divididos em três grupos que orbitam em torno
de líderes cuja meta primeira e única é chegar à Presidência da República, os
tucanos viram no resultado sem precedentes não uma conquista da espécie
inteira, mas apenas da subespécie que habita os domínios do governador Geraldo
Alckmin, padrinho da candidatura de João Doria. Saíram perdendo, portanto, os
dois terços que povoam territórios administrados pelo senador Aécio Neves e
pelo ministro José Serra.
Sempre tão gentis com adversários que os tratam a
socos e pontapés, exemplarmente dóceis na lida como os reais antagonistas, os
figurões do PSDB só exibem a face beligerante em tiroteios domésticos.
Em vez de celebrarem abraçados o triunfo no primeiro turno, em vez de
festejarem a derrocada do PT no meio da multidão eufórica, os generais
desavindos e seus oficiais graduados deixaram claro que, quanto maior é a
vitória de um candidato tucano, mais desunido fica o partido. Alguns figurões
do PSDB, como fizeram adversários como Haddad, cumprimentaram o prefeito eleito
por telefone. Outros, nem isso.
O chanceler José Serra, por exemplo, declarou-se
tão ocupado com a agenda que cumpria no Paraguai que, no dia seguinte ao da
eleição, ainda não sabia direito o que acontecera no domingo. Ignorava até a
extraordinária proeza do seu partido na capital paulista? Espantaram-se os
jornalistas. Não achava que Doria merecia ao menos uma ligação telefônica?
“Muitos tucanos, muita gente do PSDB deve ter ido para o segundo turno ou
ganhado”, desconversou Serra.
Os cardeais amuados deveriam usar o tempo que
desperdiçam com picuinhas num exame acurado das causas do desempenho de João
Doria. Em menos de 30 dias, o candidato atraiu a atenção, depois a simpatia e
finalmente o apoio militante da imensa parcela do eleitorado farta da conversa
fiada, das safadezas da velha política, do cinismo gatuno do PT e da
pusilanimidade da oposição oficial. De 2002 a 2014, durante as campanhas
presidenciais, os tucanos trataram com mesuras e rapapés o farsante que pariu a
Era da Canalhice e a nulidade que a prolongou. Enquanto Lula e Dilma faziam o
diabo, os tucanos tiravam para dançar um minueto a dupla que só sabe capoeira.
Doria venceu também por ter feito o contrário.
Apoiou desde sempre o impeachment de Dilma ─ que o PSDB só encampou quando o
caminhão de mudança já estacionara no Palácio da Alvorada. Sem desandar na
grosseria, não deixou sem revide nenhum golpe dos adversários. Escancarou o
tempo todo a roubalheira na Petrobras, as origens da crise econômica e outros
destaques da herança maldita. Ao sair de casa para votar, Lula teve a má ideia
de investir contra “um aventureiro que ninguém sabia de onde vinha”. Doria
prometeu visitar em Curitiba o freguês da Lava Jato, que preferiu mudar de
assunto.
“Como eu disse ao Dória antes das eleições, é certo
que o apoio dos políticos conta muito para armar as candidaturas, mas para a
vitória conta o desempenho”, constatou o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso. “Ganhar no primeiro turno é sempre uma vitória pessoal, embora
beneficie o partido”. Os demais tucanos devem refletir sobre isso e assimilarem
as mudanças ocorridas no Brasil da Lava Jato. Só assim conseguirão
sintonizar-se com os milhões de insatisfeitos à procura de siglas e personagens
que os representem.
Se o clube dos inimigos íntimos não aproveitar a
chance de transformar-se num partido de verdade, o PSDB terá vida curta.
Vai
morrer de soberba.
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