Na ausência de um olhar para o
futuro, para um sistema reformado, o Brasil dá uma sensação de exilar a própria
sociedade que pede mudanças desde 2013
Por Augusto
Nunes, 27/09/2016,
www.veja.com.br
Fernando Gabeira publicado no Globo
Grão Mogol, Minas — De novo na estrada, e o intenso
trabalho ao ar livre é o antídoto para a tristeza de ver não só o momento
econômico, mas também a longa agonia do sistema político brasileiro. Não são
animadoras as notícias que vêm de esquerda, direita e centro. Em toda parte, os
parâmetros políticos são subvertidos. Lula, por exemplo, fez um pronunciamento
para anunciar que era candidato. Comparou-se a Jesus Cristo e insultou numa só
frase todos os funcionários públicos concursados do Brasil.
Os admiradores fazem vista grossa. Os livros do
século passado definem a classe operária como a eleita para transformar a
História. Eles querem um presidente operário, ainda que delirando. Lula disse
coisas que contrariam o mais elementar senso político. A única saída é colocá-lo
à força no modelo marxista e, sobretudo, não levar em conta o que diz. No fundo
é adotar a mesma tática que adotei quando disse que Lula tinha habeas língua.
Buscar um sentido é perder tempo.
Num outro espaço, escrevi sobre o psicodrama da
denúncia, parecido com aquele da condução coercitiva. As críticas se
concentraram na coletiva da Lava-Jato e no PowerPoint. A denúncia tem em torno
de 150 páginas. Sérgio Moro não ia aceitá-la ou rejeitá-la apenas vendo uma
entrevista e o PowerPoint. É obrigado a ler atentamente. E aceitou. A denúncia
foi apenas o segundo ato. O terceiro será a sentença, após um trabalho
específico de coleta de dados e exame dos argumentos da defesa.
Mas, se o panorama é desolador à esquerda, o que
dizer do restante do espectro? Rodrigo Maia, um jovem do DEM, foi aconselhado a
não usar casa oficial ou avião da FAB. Maia recusou. Nesse último caso, então,
o avião da FAB só para transportá-lo é um disparate econômico e ambiental.
Acomodado no assento oficial de um avião vazio, sente-se, possivelmente,
projetando mais poder. Mas está em franco conflito com a situação do país,
inclusive com nosso compromisso internacional de reduzir emissões.
Um grupo de deputados tentou aprovar às pressas um
projeto anistiando o caixa dois. Descobertos, parecia um grupo de garotos
travessos. De quem é o projeto que já estava na mesa do presidente? Ninguém
sabia. O projeto não tem autor. Sua inclusão na pauta também é um mistério.
Uma semana depois do maior criador de jabutis,
Eduardo Cunha, ser cassado, eles inventam um outro jabuti, desta vez destinado
a proteger os investigados na Lava-Jato.
Dizem que Renan estava ciente e Maia também. Renan
está em luta aberta contra a Lava-Jato. Pena que a recíproca não seja
verdadeira. Apesar de tantos inquéritos, não foi incomodado. O interessante é
pensarem que daria certo. Vão se recolher e preparar um novo truque.
Possivelmente tão patético quanto esse.
As pessoas que fazem campanha eleitoral hoje contam
que estão comendo o pão que o diabo amassou. As ruas estão frias, no limite da
hostilidade. A indiferença era prevista. O inquietante é imaginar que
vencedores vão emergir desse processo eleitoral tão atípico.
No psicodrama da denúncia contra Lula, ouvi alguns
jornalistas dizendo: o Planalto acha que os promotores exageraram. Mas quem no
Planalto? Temer, Geddel, Padilha ou Moreira? Quem está com sua espingardinha
atrás da janela querendo atirar na Lava-Jato? Houve gente que se expôs, de um
lado e de outro, e a discussão sobre os caminhos da Justiça é saudável, embora
inexista quando os acusados são pessoas anônimas.
Foram 115 as conduções coercitivas antes de Lula. E
centenas de denúncias antes da dele.
De psicodrama em psicodrama, avança o conhecimento
do que se passou no Brasil, e aproxima-se o julgamento dos acusados.
Ainda não sabemos tudo porque o governo Temer é
opaco, por escolha ou inépcia. É preciso usar a Lei da Transparência para
descobrir o que resta.
Os homens no Palácio do Planalto, Temer à frente,
estão no governo por um acidente constitucional. São parte de um sistema
político em agonia, sócios menores do governo petista.
O Planalto com seus palpites, Renan e os deputados
querendo anistiar o caixa dois, Lula defendendo-se da denúncia — todos de
alguma forma reagem ao processo da Lava-Jato, que precipitou a ruína do sistema
político. Rodrigo Maia sentado na poltrona do avião da FAB: apenas uma das
várias maneiras de se apegar ao passado.
Na ausência de um olhar para o futuro, para um
sistema reformado, o Brasil dá uma sensação de exilar a própria sociedade que
pede mudanças desde 2013.
De costas para a parede, protegendo-se da
Lava-Jato, os políticos de Brasília não almejam do futuro nada mais do que
escapar de seu passado.
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