Queda do preço do petróleo
desmontou caixa de corrupção. Inquéritos começam a demonstrar que operações em
Angola (e Venezuela) financiavam subornos da Odebrecht
Por Augusto
Nunes, 11/10/2016,
www.veja.com.br
Texto de José Casado publicado no Globo
Passava da meia noite quando Taiguara Rodrigues
chamou seu amigo Fábio Del Agnollo no Whatsapp: “Hoje, quando o HOMEM me ligou
fiquei felizão”, escreveu. “Mandei SMS e 05 segundos ele me ligou… Quarta
estarei com ele”.
Velhos amigos, eles seguiram rotas diferentes no
mesmo ramo, o comércio, a partir da mesma cidade, Santos, no litoral paulista.
Taiguara atravessou o Atlântico em 2004 e foi ganhar dinheiro em Angola,
aproveitando a bonança do petróleo e a circunstância de ser identificado como
“sobrinho” do então presidente do Brasil — os laços não eram de sangue, mas de
família, pois era sobrinho da primeira mulher do presidente.
“Que show. Ele gosta de vc bastante, nem”,
respondeu-lhe Fábio. “Foi online”, contou Taiguara, “Ficou um puta tempo no
telefone… Aí ele falou: ‘O que é que está acontecendo, companheiro?"
“Contei em partes”, continuou Taiguara, “e pedi a
reunião.”
“Vai mexer os pauzinhos a teu favor.”
“Vai! Sempre fez.”
“Mesmo tendo muita coisa, África, não pode parar
assim, neh”
“Foi o que eu falei pro Presidente de lá… E falei
pra ele: ‘Chefe, não me deixa morrer agora! Não estava preparado pra coisas
pararem assim de repente… Ele entendeu e vai ajudar… tenho certeza…”
“E o TIO dando um empurrãozinho… Vai andar…”
“Não tem um cara igual a esse na minha vida. Ele me
trata melhor que os filhos”.
No verão daquela sexta-feira de verão, 31 de
janeiro do ano passado, o petróleo caíra a um terço do que custava quando
Taiguara, o “sobrinho” do presidente, sócio de uma empresa que nunca teve um
único empregado, faturou US$ 20 milhões como contratada do grupo Odebrecht em
obras do governo de Angola, financiadas com dinheiro do BNDES.
Durante o ciclo de valorização do petróleo, a
Odebrecht extraiu lucros anuais de US$ 1 bilhão na Petrobras e de US$ 500
milhões por ano em Angola e Venezuela. Entre 2004 e 2013, as empreiteiras
brasileiras exportaram US$ 13 bilhões (R$ 42,9 bilhões) com apoio do banco
estatal. O grupo Odebrecht ficou com US$ 7 de cada US$ 10 vendidos, somando US$
9,8 bilhões, (equivalentes a R$ 32,3 bilhões). Concentrou 96% de todo o crédito
público dado às exportações de engenharia.
O fim da bonança petrolífera deixou expostos
buracos nas finanças dos governos de Angola e Venezuela, da Odebrecht e da
Petrobras. As investigações sobre corrupção no Brasil começam a demonstrar que
operações em Angola (e também na Venezuela) sustentavam os pagamentos de
subornos da Odebrecht, em operações cruzadas entre Brasil-Portugal-Angola.
Procuradores brasileiros indicam uma rede de
negócios obscuros capitaneada pelo empreiteiro Marcelo Odebrecht, em parceria
com o ex-presidente Lula e seu antigo ministro da Fazenda Antonio Palocci. As
investigações estendem-se por três países.
No Brasil concentra-se em Odebrecht, Lula e
Palocci. O ex-ministro da Fazenda, por exemplo, foi preso sob a acusação de
intermediar repasses ilegais de R$ 128 milhões, o equivalente a US$ 38,7
milhões, já identificados.
O “sobrinho” de Lula, Taiguara, e seus parceiros
João Germano, empresário português, e Helder Beji, funcionário público
angolano, são personagens de inquérito no Brasil e em Portugal, assim como os
diretores do grupo Asperbras, de Penápolis (SP), cujos contratos em Angola
teriam sido intermediados por Palocci. Dois diretores da Asperbras estão presos
em Portugal. Seus acionistas, os irmãos Colnaghi, também são investigados na
Suíça.
Depois da bonança, sobram
agonias.
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