O casal Gleisi e Paulo Bernardo simboliza quase à perfeição o substrato
do lulopetismo, que tem como uma de suas características mais marcantes a
hipocrisia
Por Augusto
Nunes, 01/10/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
A decisão unânime da 2.ª Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF) de aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR)
contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro dos
governos petistas Paulo Bernardo, por corrupção e lavagem de dinheiro, reflete
uma realidade que se enquadra no “contexto de corrupção sistêmica dentro da
Petrobrás”, de acordo com entendimento do ministro-relator Teori Zavascki. Essa
realidade, que o acúmulo de evidências torna irrefutável, na verdade extrapola
o âmbito da Petrobrás e se estende a todo o aparato governamental da era
lulopetista. Reflete o método político pelo qual Lula e seu PT optaram, na
desastrada tentativa de consolidar um projeto de poder populista.
Chamado a prestar contas à Justiça, o casal de
militantes petistas – ela senadora, com passagem pela chefia da Casa Civil de
Dilma; ele quadro partidário de primeira linha do lulopetismo, ministro do
Planejamento (2005 a 2011) e das Comunicações (2011 a 2015) – surge como
símbolo da impostura de um partido político que chegou ao poder prometendo
impor padrões morais rígidos à gestão da coisa pública e de ser um defensor
intransigente das classes menos favorecidas, provedor infalível e generoso de
suas necessidades materiais.
Um fenômeno relevante nos 36 anos de existência do
PT ajuda a entender os desvios da trajetória político-programática estabelecida
na fundação do partido. Numa primeira etapa, intelectuais e líderes religiosos
que haviam ajudado a fundar o partido e a consolidar suas primeiras conquistas
foram praticamente expulsos de suas fileiras pela ala sindical, mais rude e
direta. Em seguida, após se ter transformado em partido eleitoralmente
competitivo e depois de ter conquistado o Planalto, o PT passou a sofrer
defecções importantes no seu quadro de lideranças, motivadas pela decepção com
os novos caminhos que estavam sendo trilhados sob o comando de Lula e José
Dirceu. A liderança remanescente acomodou-se sem maiores problemas em
conveniente tolerância à adesão de Lula às práticas políticas de seus novos
aliados, que no passado condenara com veemência. Essa gente sempre soube que
corrupção é crime. Apenas passou a admitir que é impossível governar sem
concessões a ela.
Os resultados da “luta em benefício das causas
populares” foram à gastança descontrolada dos recursos públicos, a “nova matriz
econômica” que resultou na recessão econômica, no estouro da inflação – que
afeta principalmente os mais pobres – e nos mais de 12 milhões de desempregados
em todo o País.
O casal Gleisi e Paulo Bernardo simboliza quase à
perfeição o substrato do lulopetismo, que tem como uma de suas características
mais marcantes a hipocrisia. A senadora, que como dirigente da cúpula
partidária e ex-chefe da Casa Civil convivia necessariamente com a corrupção
generalizada no governo, teve a ousadia de proclamar, no plenário do Senado,
que ali ninguém tinha “autoridade moral” para julgar Dilma Rousseff. E, ao
saber que se tornara ré no STF, afirmar que, finalmente, poderia contar a seu
favor com o “benefício da dúvida” que lhe teria sido negado na fase de
investigação da Lava Jato.
O ex-ministro do Planejamento, por sua vez, fez
mais. Estava à frente da pasta quando o “governo popular” implantou a cobrança
de uma taxa debitada compulsoriamente na conta de todos os aposentados
beneficiários de crédito consignado. Um golpe que possibilitou a arrecadação de
R$ 100 milhões que teriam sido destinados aos cofres do PT, descontada a
milionária comissão que teria sido embolsada. A investigação relativa a esse
golpe, por conta do qual Paulo Bernardo passou alguns dias encarcerado em junho
último, não é a mesma que agora leva o STF a transformá-lo em réu. Essa é
relativa à acusação de que ele teria recebido dinheiro do esquema do petrolão
para abastecer a candidatura de sua cara metade ao Senado, em 2010.
Em seu relatório a favor do recebimento da
denúncia, o ministro Zavascki destacou que se sentia à vontade para acolher o
pedido da PGR porque evidências contidas no processo vão “muito além das
declarações prestadas em colaboração premiada”. Poderia ter dito, em outras
palavras, que o jeito petista de fazer política é reconhecível à primeira
vista.
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