Para o chefão petista, os delegados e promotores “não sabiam como
funciona um governo de coalizão”
Por Augusto
Nunes, 24/10/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
A luta contra a corrupção, que tem na Lava Jato seu
símbolo mais vistoso, é uma luta dos brasileiros em geral. Não é possível
pensar num país melhor sem acabar com a roubalheira, punir exemplarmente os
corruptos e aperfeiçoar a máquina do Estado para resguardá-la dos ladrões. No
entanto, infelizmente, há quem não veja a coisa dessa maneira. Para muitos
petistas e associados, por exemplo, a força-tarefa da Lava Jato causa prejuízo
ao País ao querer a todo custo combater a corrupção. Segundo esse raciocínio,
os procuradores da República – e, por extensão, todos os brasileiros de bem –
são ignorantes sobre como funcionam a política e a economia, restando aos
cidadãos conformar-se com o fato de que a vida é assim mesmo, isto é, que a
corrupção é incontornável e que só é possível governar e administrar o Brasil aprendendo
a cultivar boas relações com os corruptos.
Com a pretensão de ensinar aos brasileiros como
devemos nos comportar diante da corrupção, esses catedráticos em bandalheira
deram declarações esclarecedoras – e estarrecedoras – nos últimos dias. O ex-presidente
Lula da Silva, por exemplo, assinou artigo no jornal Folha de S.Paulo no
qual diz perceber “uma perigosa ignorância de agentes da lei quanto ao
funcionamento do governo e das instituições”. Para o chefão petista, os
delegados e promotores “não sabiam como funciona um governo de coalizão”.
Infelizmente, a aula do mestre Lula terminou aí, mas os bons alunos haverão de
entender a lição: a julgar pela experiência petista, um governo de coalizão
funciona na base da compra, de preferência em dinheiro vivo, de apoio
parlamentar, razão pela qual não é possível pensar num governo que arregimente
apoio apenas na base de afinidade de ideias. Para Lula, é evidente que os
agentes da lei tinham de saber disso.
Movido pelo mesmo espírito didático, Eugênio
Aragão, que foi ministro da Justiça do governo de Dilma Rousseff até o
impeachment da presidente, deu uma entrevista à revista Carta Capital na
qual se propôs a explicar aos cidadãos por que a corrupção não apenas é
“tolerável”, segundo suas próprias palavras, como também, em certos aspectos, é
positiva.
Como Lula, Aragão tratou de desqualificar os
procuradores da República porque, segundo ele, desconhecem como funciona a
corrupção. “Essa garotada do Ministério Público não tem a mínima noção de
economia”, disse Aragão. Para ele, empresa pilhada em corrupção como aconteceu
na Lava Jato, não deveriam ser punidas, porque, nesse caso, empresas
estrangeiras tomariam seu lugar, roubando empregos dos brasileiros. “Aqui no
Brasil a gente entrega nossos ativos com uma facilidade impressionante”,
protestou Aragão. Os procuradores “não sabem como isso funciona” e
“simplesmente botaram na cabeça uma ideia falso-moralista de que o País tem de
ser limpo”, argumentou ele. Ora, diz o ex-ministro, “corrupção existe em todas
as partes do mundo” e “não é um problema moral, é, sobretudo um problema
estrutural simples”.
E a aula prosseguiu. A corrupção acontece, explicou
Aragão, “quando os processos administrativos de decisão são bloqueados” e, para
desbloqueá-los, “a empresa distribui dinheiro”. Ao “molhar a mão dos fiscais
para isso ir mais rápido”, conforme argumentou o ex-ministro, a empresa
consegue superar a burocracia “e entrar mais cedo como concorrente no mercado”,
razão pela qual – atenção – “do ponto de vista econômico isso não é ruim, não”.
Para Aragão, “a corrupção que, na verdade, serve como uma graxa na engrenagem
da máquina, essa, do ponto de vista econômico, é tolerável”. E ele arremata: “A
Lava Jato gaba-se de ter devolvido ao País R$ 2 bilhões. E quantos bilhões a
gente gastou para isso? Do ponto de vista econômico, a conta não fecha”.
Portanto, não se trata de entender a corrupção como
parte de um mundo naturalmente imperfeito. O que se tem aqui está em outro
patamar: para essa turma, temos que aceitar que o combate à corrupção é
indesejável e prejudica o País. Felizmente, os brasileiros estão a dizer
claramente para esse pessoal, nas urnas e nos tribunais, o que pensam disso.
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