Quando o cérebro está
sobrecarregado por um outro tipo de tarefa, a diversidade das associações e sua
originalidade caem de maneira significativa
Por Augusto
Nunes, 25/06/2016,
www.veja.com.br
Texto de Fernando Reinach publicado no Estadão
Eureca! Gritou Arquimedes na banheira. Tinha
descoberto como medir o volume de qualquer sólido. Kekulé sonhou com uma cobra
mordendo o próprio rabo; havia descoberto a estrutura circular do benzeno.
Cientistas e artistas relataram que o ápice do processo criativo acontece em
períodos de ócio, geralmente após um período de grande esforço mental, mas
raramente durante o esforço. Essa observação levou o ser humano a associar ócio
à criatividade. Agora, experimentos demonstraram que isso decorre de uma propriedade
intrínseca do cérebro, fora de nosso controle, que pode ser medida e estudada
experimentalmente.
O experimento é muito simples e usa nossa
capacidade de livre associação. Voluntários sentam na frente de um computador e
são instruídos a ler a palavra que aparece na tela e escrever a primeira coisa
que vier à cabeça. São informados que não existe palavra certa ou errada,
melhor ou pior. Assim, se, por exemplo, aparecer à palavra “meia”, eles podem
escrever branca, preta, furada, meia-direita, e assim por diante. As palavras
geradas em livre associação são analisadas usando dois critérios estatísticos.
O primeiro é o da diversidade, ou seja, uma medida matemática da variedade de
palavras geradas a partir de um estímulo. O segundo é o da originalidade,
também uma medida matemática, da freqüência em que palavras únicas aparecem.
Fica mais fácil entender com um exemplo. Imagine um
grupo de dez pessoas que, estimuladas pela palavra “meia”, só produzam um
pequeno número de associações (branca, preta, furada). Imagine agora um segundo
grupo que, estimulado pela mesma palavra, produza um grande número de
associações (branca, preta, rosa, furada, fedida, garrafa) e que, além disso,
muitas dessas pessoas produzam associações únicas. O tratamento matemático dos
dados vai mostrar que o primeiro grupo, quando comparado com o segundo, tem diversidade
associativa e índice de originalidade menor.
O que os cientistas fizeram foi aplicar esse teste
em duas situações. Na primeira, a pessoa tinha de executar as associações sem
outra preocupação na mente. Na segunda, uma preocupação era colocada no cérebro
da pessoa e ela tinha de executar o teste de associação. Funciona assim: no
primeiro caso, as pessoas eram solicitadas a guardar na memória um número de 2
dígitos (por exemplo, 26), enquanto faziam o teste de associação, uma
preocupação relativamente branda. Na segunda condição, o mesmo teste era
aplicado, mas as pessoas eram solicitadas a guardar na memória um número de 6
dígitos (por exemplo, 163.569), algo que gera um nível maior de preocupação e
atenção. Os cientistas então comparavam o índice de diversidade e originalidade
dos dois grupos.
O que eles descobriram é que pessoas encarregadas
de guardar números de dois dígitos (pouca preocupação) fazem associações com
maior índice de diversidade e originalidade. Já aquelas encarregadas de guardar
informações mais complexas (6 dígitos) produziam associações com menor índice
de diversidade e originalidade. Esse experimento foi repetido com diversos
tipos de “preocupações” e o resultado foi o mesmo. Quando o cérebro está
sobrecarregado por um outro tipo de tarefa, a diversidade das associações e sua
originalidade caem de maneira significativa.
O que os cientistas acreditam é que a livre
associação, uma parte importante da criatividade, é prejudicada quando o
cérebro está ocupado com outro problema. Eles sugerem que um cérebro
sobrecarregado produz associações simples, recorrendo a um repertório de
respostas já conhecido. Por outro lado, quando o cérebro está desocupado, ele
entra em modo “exploratório”.
Esse resultado confirma que somos mais criativos
quando estamos ociosos, condição em que nosso cérebro faz associações mais
ricas e improváveis a partir do repertório de experiências sensoriais e lógicas
acumuladas. Ócio e criatividade andam juntos. Chega de escrever, vou tomar
banho e ver se tenho alguma ideia brilhante.
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