O PT precisa aprender que o único
caminho que lhe resta é o acato à democracia representativa e o respeito às
leis do País
Por Augusto
Nunes, 03/09/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
A complexidade e a diversidade da condição humana
tornam a convivência democrática um exercício desafiador que precisa se
socorrer, nas sociedades livres, de mecanismos de mediação das vontades em
conflito. Para que o sistema democrático funcione, é necessário que tanto no
plano individual como no coletivo os cidadãos aceitem o fato de que nem sempre
suas vontades ou convicções podem prevalecer e por isso devem,
democraticamente, acatar as decisões da maioria. É claro que a dinâmica da vida
social exige um permanente aperfeiçoamento dessas regras de convivência – as
leis – que, enquanto não são mudadas, pelo consenso ou pelo voto da maioria,
precisam ser respeitadas. Fora disso, não existe convivência democrática.
Essa é uma lição que, ao longo de sua história de
36 anos, 13 deles no poder, o PT ainda não aprendeu. Padece esse partido, do
vício ideológico que leva seus seguidores a ignorar ou tentar anular dois
atributos indissociáveis da condição humana: a complexidade e a diversidade.
Esse comportamento foi radicalmente seguido pelos petistas e aliados ao longo
de todo o processo do impeachment.
A tropa de choque “dilmista” baseou sua atuação em
dois pressupostos relacionados, um político e outro legal: o processo era um
“golpe” contra uma presidente legítima e democraticamente eleita, porque ela
não cometera nenhum crime de responsabilidade.
Ora, ninguém jamais negou que Dilma foi eleita com
54 milhões de votos. Nem é o caso de saber se cometeu ou não, com suas
mentiras, um estelionato eleitoral. A tudo isso se sobrepõe outro fato,
igualmente incontestável: Dilma perdeu a confiança da enorme maioria dos
brasileiros, que passaram a pedir seu afastamento. Quanto a ter ou não a
presidente cometido crime de responsabilidade, o julgamento amplamente
majoritário de seus julgadores foi categórico: houve crime. Daí o impeachment
previsto pela Constituição.
Os petistas e aliados, contudo, não se conformam.
Como partem do princípio de que são monopolistas da verdade e da virtude,
durante todo o debate do impeachment insistiram em comportar-se como se estivessem
participando de uma assembléia de estudantes – com todo respeito ao idealismo e
vigor juvenis que ali ainda se percebem. O anacronismo político e a demagogia
barata de suas intervenções freqüentemente tropeçavam na falta de argumentos
sólidos. Restava-lhe partir para o berro.
Derrotados fragorosamente na votação do
impeachment, os petistas anunciam que vão recorrer agora ao STF, mesmo sabendo
que são ínfimas as possibilidades de a “camaradagem” de Ricardo Lewandowski, ao
fatiar o julgamento para preservar os direitos políticos de Dilma, fazer
adeptos. Sabem que a possibilidade de que o Supremo reverta à decisão do Senado
é remota. Não faz mal. Haverá outros recursos a serem levados tanto ao STF como
a organismos internacionais – como já fizeram –, onde esperam ver o Brasil
tratado como uma república de bananas. Para o PT, recursos judiciais são meros
pretextos para se exibir no patético papel de vítima de algozes implacáveis.
Há um limite para tudo, inclusive para a tolerância
em relação ao comportamento político. Esse limite não precisa estar
necessariamente, definido em leis escritas. Existe um foro irrecorrível nas
sociedades democráticas, inclusive naquelas, como a brasileira, que ainda se
debatem com as dificuldades da incipiência. Esse foro é a consciência popular,
a capacidade que os seres humanos têm, nas condições mais adversas, de se dar
conta – parafraseando Abraham Lincoln – de que alguns podem ser enganados todo
o tempo, todos podem ser enganados por algum tempo, mas é impossível enganar a
todos, por todo o tempo. Em outubro de 2014, mais de 54 milhões de brasileiros
elegeram uma presidente, sobrepondo-se aos mais de 50 milhões – os petistas
nunca mencionam isso – que votaram no oponente dela. Menos de um ano depois,
mais de dois terços desses mais de 100 milhões, pelo menos 65 milhões, pediam
nas ruas e nas pesquisas de opinião o afastamento de Dilma agora consumado.
O PT precisa aprender que o único caminho que lhe
resta, se quiser continuar fazendo parte do ecúmeno sociopolítico brasileiro, é
o acato à democracia representativa – liberal, portanto – e o respeito às leis
do País.
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